segunda-feira, 14 de maio de 2007

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV

PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA

"A Pedagogia da Terra leva a marca do próprio MST na medida em que veio como uma conquista, o movimento se organizou levando a sua própria marca, ocupou o campus de São Mateus, ocupou a universidade e isso foi uma coisa maravilhosa do ponto de vista do exemplo político de como se fazem as coisas. O Curso Pedagogia da Terra foi uma conquista ganha dentro do processo de ocupação, luta, porque, a universidade pública é uma universidade do povo brasileiro". (Professor que lecionou na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).


4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Neste quarto e último capítulo, temos como objetivo fundamental identificar, analisar e refletir, com base na vivência, nos documentos do curso (grade curricular, programas de disciplina, plano de aula, caderno de memória da turma, caderno de reflexão pessoal), nas entrevistas realizadas a alunos (as), professores (as) e coordenadores, os espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra. Com o objetivo de situar o leitor no capítulo, realizamos uma pequena memória da caminhada até chegarmos aos itens que fazem parte do capítulo. É interessante pensarmos na relação do sujeito pesquisador com o objeto a ser pesquisado. Como pesquisador iniciante o primeiro contato com o tema da pesquisa foi com base nas leituras do MST, quanto mais lia e aprofundava no conhecimento do MST, mais apaixonava-me pelo tema da pesquisa. Era necessário conhecer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para depois conhecer o processo de formação dos professores do Curso Pedagogia da Terra.
Nesse processo, considero fundamental para o conhecimento e a identificação com o MST, a leitura de duas obras: Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil de autoria de João Pedro Stédile em parceria com Bernardo Mançano Fernandes e Pedagogia do Movimento Sem Terra de autoria de Roseli Salete Caldart. Essas obras ajudaram-me a conhecer e admirar o MST e a pensar na importância do Movimento como sujeito coletivo educativo dos sem-terra.
Era necessário, no entanto, um contato mais direto com o objeto-sujeito da pesquisa. Foi assim que, em janeiro de 2004, tive o primeiro encontro com os alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra - UFES, no Pólo Universitário de São Mateus – CEUNES. Nesse primeiro encontro com a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra, três gestos marcaram-me: o primeiro diz respeito à cordialidade e à solidariedade com que a turma me acolheu; o segundo foi o esforço, a dedicação e a organização dos alunos nas diversas atividades do curso, inclusive após as oito horas diárias de aulas e o terceiro foram as celebrações, o que eles chamam de mística.
Os alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra – UFES acordam às 5 h e 30 min, tomam um café reforçado e se preparam para as atividades do dia. A mística é realizada diariamente e é a primeira ação que fazem ao amanhecer. Cada dia um grupo de alunos da turma fica responsável por prepará-la e realizá-la. Os alunos trazem para o momento da mística acontecimentos que se relacionam com a história do MST, com a história do país, com os direitos sociais como educação, saúde, moradia e também com o cotidiano do curso. Na semana em que permaneci com eles, pude participar de algumas celebrações em que essas questões foram tratadas de forma bastante criativa e crítica, assumindo uma dimensão de contestação social. Logo após a mística, os alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra dão início às atividades acadêmicas. São oito horas diárias de aula com intervalo para almoço e lanche. Os conteúdos abordados nas aulas são desenvolvidos de acordo com as disciplinas que integram a Grade Curricular do Curso. Os professores procuram utilizar uma metodologia participativa em que os alunos possam expressar dúvidas, questionamentos e relacionar os conhecimentos das diferentes disciplinas com a experiência que possuem nas escolas dos assentamentos. Depois de oito horas consecutivas de aula, os alunos do Curso Pedagogia da Terra se preparam para as atividades referentes ao espaço-tempo-trabalho produtivo. A turma organiza-se em grupos de trabalhos e dá início às atividades, tais como: capina, horta, pintura, fabricação de remédios caseiros etc. Terminada essa etapa, os alunos se dedicam à higiene pessoal: tomar banho, preparar seus pertences pessoais (roupas) e, em seguida, acontece o jantar. Durante a noite, alguns grupos dedicam-se à preparação da mística; outros participam de reuniões com a coordenação do curso, e há ainda atividades de leituras para serem feitas, como livros e textos referentes aos conteúdos trabalhados pelas disciplinas da Grade Curricular do Curso. Esse foi um pequeno relato de minha participação em um dia no Curso Pedagogia da Terra. O segundo encontro com a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra foi na realização da pesquisa do PRONERA em 2004. Nesse momento, a começar da experiência que havia vivido, pensei que poderia aprofundar o olhar sobre o curso fazendo aos alunos e professores algumas questões, por exemplo: o que significa para eles (alunos do curso) ser professor do MST?
Que importância tem a mística no processo de formação dos professores sem-terra? Que espaços-tempos-saberes são produzidos e mobilizados durante as etapas do curso que favorecem o processo de formação dos professores sem-terra? Qual é a concepção de mística do MST e que papel ou função educativa tem a mística no Curso Pedagogia da Terra? Uma questão em que mais tarde vim a pensar foi se a mística do MST tem origem nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica e como essa dimensão educativa aparece no movimento de formação do professor sem-terra?
A partir da pesquisa do PRONERA, pude perceber que a mística era realmente um dos eixos no processo de formação do professor sem-terra e que mereceria uma atenção especial e maior aprofundamento, vindo a constituir-se em um dos espaços-tempos-saberes fundamentais do movimento de formação dos professores sem-terra. A participação no I Encontro do PRONERA da Região Sudeste também contribuiu para reforçar a importância que os sujeitos sem-terra atribuem à mística como memória e fortalecimento da luta por uma educação do campo. Por meio da mística, os sujeitos do campo expressam sua cultura, seus valores, seus saberes e sua identidade campesina e revivem a história da luta pela terra. E foi, nesse movimento, que fomos tecendo os temas a serem trabalhados neste capítulo.
4.2 O CURSO PEDAGOGIA DA TERRA/UFES
O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Pedagogia da Terra) no Estado do Espírito Santo foi criado, no final de 1999, pela parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA e Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. O processo de criação do Curso Pedagogia da Terra nos remete, como vimos no desenvolvimento da dissertação, à luta dos (as) trabalhadores (as) rurais sem-terra para romperem a cerca do latifúndio e da ignorância. Os trabalhadores sem-terra recusando-se a permanecerem excluídos da terra, da dignidade, do conhecimento e da educação mobilizaram-se coletivamente para conquistar e ocupar o latifúndio do saber, forçando a Universidade a desempenhar o seu papel social de estar a serviço do povo brasileiro. O Curso Pedagogia da Terra situa-se nesse movimento de luta por uma educação do campo. Não foi uma doação da Universidade ou do PRONERA, nasceu e se tornou realidade a partir da luta organizada do MST. Homens e mulheres que tecem, no cotidiano de suas lutas, enfrentamentos, dificuldades e sonhos uma nova concepção de educação que contemple os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos do campo. A organização do Movimento Sem Terra no Estado do Espírito Santo, assim como no Brasil, remete às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, conforme discutimos no primeiro capítulo da dissertação, e à Comissão Pastoral da Terra/CPT, criada em Goiânia, em 1975, e no Espírito Santo, no ano seguinte, com significativo impulso a partir da década de 1970, auge da Ditadura Militar.
Os trabalhadores rurais sem-terra e agricultores de renda familiar organizaram-se para partilhar seus problemas e encaminhar possíveis lutas pela conquista de condições dignas de vida, de cidadania. Isso possibilitou uma pedagogia popular que favoreceu discussões a partir dos problemas concretos vividos pelo homem oprimido do campo, estimulando processos de reflexão individuais e coletivos. A ênfase nos trabalhos desenvolvidos passou a se dar no campo da conscientização, no sentido proposto por Freire (1970), na formação de lideranças e animação de grupos. Os trabalhadores rurais sem-terra lutaram para conquistar um pedaço de chão, garantindo a subsistência de suas famílias. No Estado do Espírito Santo, ampliou-se esse processo desde 1983, em cujo movimento a bandeira da educação como um direito fundamental dos sem-terra sempre se fez presente. Cabe perguntar: por que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra começa a lutar não só pela terra, mas também por educação e por outros direitos sociais? Ocorre que os altos índices de analfabetismo no Movimento, a necessidade de garantir às crianças que acompanhavam seus pais na luta pela terra o direito de escolarização e, sobretudo, o fato de os trabalhadores rurais sem-terra defenderem em suas lutas a relevância da educação formal e informal como instrumento de luta no processo de transformações sociais, vêm mobilizando o MST e diferentes grupos da sociedade civil para garantir o direito dos trabalhadores rurais a uma escola voltada para as necessidades dos sujeitos do campo. Nesse sentido, a fala de uma professora que lecionou para a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra é esclarecedora:
Eu acho interessante porque esse Movimento se fortalece ou se enfraquece no contexto atual onde os direitos sociais estão sendo cassados! Você fala em direitos sociais, hoje cada um deles e a cada dia estão sendo desconsiderados, a todo tempo, então esse Movimento se faz mais importante ainda porque diz novamente, fala novamente da necessidade que nós temos de garantir os direitos sociais: da educação, da moradia, da terra, da saúde que estão cada dia sendo restringidos.


Na luta pelos direitos sociais e, em especial, pela educação, o MST institui, em 1984, a primeira escola de assentamento no Estado do Espírito Santo, assessorado por uma equipe de professores da Escola Família Agrícola de Jaguaré. Muitas lutas foram travadas para que o governo estadual e prefeituras municipais se responsabilizassem por oferecer infra-estrutura às escolas, aceitassem critérios colocados pelo Movimento para o processo de seleção de professores em escolas de assentamentos, garantissem pagamento em dia de salários da equipe escolar, oferecessem material didático e dessem reconhecimento oficial e legal ao projeto educativo construído coletivamente pelos sem-terra. Em 1987, organizou-se o I Seminário Nacional de Educação em Assentamentos, realizado em São Mateus, nos dias 27 a 30 de julho. Houve participação de comitivas de treze estados do país. Das discussões acumuladas nas múltiplas frentes de luta do MST por uma educação no/do campo, criou-se o Coletivo Nacional de Educação do MST nesse mesmo ano. Desde então, encontra destaque na pauta de lutas a demanda de uma educação diferenciada que atenda às particularidades e à realidade dos sujeitos que vivem no e do campo, à necessidade de programas institucionalizados de formação política e pedagógica dos professores de assentamento.

Nesse sentido, em 1989, o MST, por meio do Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Estado do Espírito Santo - CIDAP, inaugura sua primeira parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo com cursos de extensão nas áreas de Pedagogia, Administração e Agronomia. Em 30 de maio de 1994, o Setor de Educação do MST/ES, após negociação com a UFES, encaminha pedido à Coordenação Universitária do Norte do Espírito Santo/CEUNES (campus avançado da UFES em São Mateus), solicitando uma nova parceria entre a UFES, Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo - SEDU e MST, para a criação do Curso de Habilitação para o Magistério. Reivindicava-se uma formação que fosse coerente com as especificidades e a realidade da educação nos assentamentos.
Em face das dificuldades legais encontradas, firmou-se finalmente convênio entre o MST/CIDAP e a Escola de I e II Graus Santo Antônio, localizada no município de São Mateus. O curso foi iniciado em julho de 1995, no Centro de Formação do CIDAP. Os estudantes da primeira turma, assim que concluíram seus estudos, mobilizaram-se para iniciar novas negociações com a UFES, por intermédio do Setor de Educação do MST, a fim de garantir a continuidade do processo de formação para além da Educação Básica. Assim tiveram início as negociações entre lideranças do Setor de Educação do MST e a Universidade para a construção de um projeto que possibilitasse a formação superior em pedagogia para os professores das escolas de assentamentos. A preocupação com a formação dos professores que atuam nas escolas de assentamentos, como vimos, remonta ao início do Movimento, mais especificamente a partir de 1987, quando o Movimento iniciou uma série de debates com o objetivo de procurar parcerias que possibilitassem essa formação. A motivação para esse debate vinculava-se à idéia de garantir aos professores uma formação que levasse em consideração a realidade, a cultura e a identidade dos sujeitos do campo. Assim afirma Caldart (2000, p. 157).
Depois de conquistada a escola junto ao município ou ao estado, era designada para estas áreas professoras da rede oficial de ensino que, muitas vezes, iam para lá por imposição, e em alguns casos tendo uma visão bastante preconceituosa em relação aos sem-terra.

A luta que o Movimento assumiu quando resolveu reivindicar a formação superior em Pedagogia era possibilitar aos jovens, homens e mulheres, que viviam do trabalho do campo, o acesso a uma formação acadêmica que levasse em conta as peculiaridades e realidade desses sujeitos que vivem no e do campo; pensar uma educação que não fosse simplesmente um transplante da educação urbana, mas que tivesse relação e fosse coerente com o contexto e a realidade da educação e da vida dos sujeitos do campo. Foi assim que, em 1999, foi firmada a parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA com o objetivo de garantir a realização do Curso de Pedagogia da Terra. A oferta total de 60 vagas do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadoras e Educadores da Reforma Agrária MST/ES tornou-se realidade com a assinatura do Convênio de n. 2001/1999, publicado no Diário Oficial da União – DOU, em 08 de novembro de 1999.
4.3 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA/UFES
Não foram poucas as discussões travadas na Universidade Federal do Espírito Santo sobre o caráter público ou não do Curso Pedagogia da Terra. Alguns professores defendiam a necessidade e a legalidade do Curso; outros criticavam, alegando ser uma demanda particular, o que feriria o caráter público da universidade, na medida em que se estariam abrindo exceções para que um determinado grupo ingressasse de forma não oficial, sem passar por todos os procedimentos normais de acesso à universidade. Reforçando a importância do curso para a formação dos professores das escolas dos assentamentos do MST, assim se expressa uma professora que lecionou na quinta etapa do Curso Pedagogia da Terra/ES:
Agora uma coisa interessante que muitos dirigentes universitários não pensam é que nós vivemos numa sociedade extremamente excludente e cursos dessa natureza permitem que algumas pessoas que estariam excluídas sempre possam se inserir na universidade; tem toda uma relação com a questão do sistema de cotas; eu gostaria que tivesse escola para todo mundo e universidade para todos, agora, enquanto não temos, precisamos garantir de alguma maneira que algumas pessoas possam participar do processo de formação que ocorre dentro da universidade, porque de outra maneira eles não vão conseguir; a universidade, independente de ter um estatuto, precisa pensar essa questão.

Podemos pensar que, se a Universidade é pública, ela deve estar a serviço do povo, principalmente daquela parcela da população que sempre e historicamente vem sendo excluída dos direitos de cidadania em nosso país. Dessa forma, o Curso Pedagogia da Terra constituiu-se em um espaço privilegiado onde professores sem-terra têm acesso a um conhecimento científico e a uma formação que legitimem seus saberes e sua experiência, levando em consideração a realidade e a identidade dos sujeitos do campo. Após a leitura, a análise de documentos e das entrevistas realizadas com professores e alunos da segunda turma, pode-se afirmar que o Curso Pedagogia da Terra/ES visa aos seguintes objetivos: proporcionar aos professores que residem nas áreas de assentamentos uma Licenciatura Plena de Pedagogia, para atuarem na pré-escola e nas séries iniciais de ensino fundamental; preparar professores para levar em frente a implementação da proposta pedagógica de educação libertadora que valorize os saberes do homem do campo e que contribua com novos conhecimentos para garantir a qualidade de vida dele; desenvolver uma metodologia que possibilite aos sujeitos do campo a construção de uma proposta pedagógica no e do campo e à implementação nas escolas dos assentamentos, por meio de pesquisas, da valorização cultural, do referencial teórico e científico, valorizando a cultura do homem do campo como condição para o recuperar sua identidade e cidadania. Esses são em linhas gerais os objetivos do Curso Pedagogia da Terra/ES que orientam em cada etapa do Curso os trabalhos das diferentes disciplinas que compõem a Grade Curricular. Pela experiência que tivemos em vivenciar, com os alunos e professores da segunda turma, algumas etapas do Curso Pedagogia da Terra, das entrevistas realizadas com alunos e professores, da participação ativa nos espaços-tempos-saberes do processo de formação e das conversas informais que tive com alguns alunos, pode-se afirmar que, em grande parte, esses objetivos estão sendo alcançados. De fato fica evidente na fala de professores e alunos a importância desse curso para construir uma educação que respeite os saberes, as experiências e a cultura dos sujeitos do campo, que recupere a humanidade e a dignidade de sujeitos que histórica e sistematicamente têm sido excluídos de todo o processo educacional em nosso país. Neste sentido, assim se expressa uma professora que lecionou no Curso Pedagogia da Terra:
Eu vejo a educação como um processo, não na perspectiva daquele processo, não na perspectiva daquilo que está colocada na mensagem que nós lemos ainda a pouco, da Mídia; mas independente de onde as pessoas estejam, de quem são as pessoas, eu vejo a educação como um processo fundamental para a humanização.Tornar-se humano, na verdade a gente aprende a ser, ser humano! E ser humano pra mim tem que ter essa dimensão crítica, da necessidade do outro, tem que ter essa dimensão da coletividade, pra mim esse é um processo de humanização!


Podemos pensar que, em toda a história da educação brasileira, os sujeitos do campo sempre foram marginalizados e que isso se situa numa lógica de dominação, de exclusão que o sistema capitalista impôs a esses sujeitos, e, na medida em que o MST como movimento social, por esse Curso, busca formar esses professores para que sejam capazes de ensinar as crianças, os adolescentes, os jovens e os anciãos, com conhecimentos que lhes possibilitem compreender a sua realidade e o seu mundo, ele está efetivamente contribuindo na luta por uma educação libertadora que respeite os saberes, a cultura e a identidade dos sujeitos no/do campo. Assim, podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra através de seus espaços-tempos-saberes, das disciplinas que formam a Grade Curricular e das metodologias desenvolvidas em sala de aula pelos professores, está contribuindo efetivamente para esse processo de formação-humanização dos professores do campo.
4.4 ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA/UFES
Tanto na primeira turma quanto na segunda turma, o curso durou três anos, tendo um tempo de ensino presencial (Tempo Escola), cumprido nos meses que são destinados às férias escolares (janeiro, fevereiro e julho) e outro tempo de estudos a distância (Tempo Comunidade), realizado nos demais meses do ano e nos próprios locais de origem das (os) alunas (os). Essa estrutura do Curso Pedagogia da Terra – UFES se assemelha à da Pedagogia da Alternância, conforme discutimos no segundo capítulo deste trabalho. O curso está estruturado em oito etapas, cada uma envolve um período de ensino presencial e um de estudos a distância. O curso consta de oito etapas com cinco disciplinas de 60 horas, perfazendo um total de 300 horas em cada etapa, com exceção do oitavo período, e contando somente com a disciplina Estágio de 300 horas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem-terra considerou necessário e importante que, neste último período, os estudantes desenvolvessem uma monografia final do curso, o qual totaliza cento e vinte horas. Dessa forma, a carga horária do curso é 2.520 horas. As etapas letivas Intensivas destinam-se à apresentação e aos trabalhos das disciplinas que compõem a Grade Curricular do Curso: à orientação, discussão e reformulação das resenhas e estudos das etapas intermediárias; à socialização das experiências e conhecimentos apreendidos pela elaboração e pelas leituras. Na Grade Curricular do Curso Pedagogia da Terra, além dela contemplar as disciplinas necessárias à formação do pedagogo do ponto de vista técnico, constam também algumas disciplinas relacionadas com a educação do campo como forma de garantir uma educação diferenciada e específica para a realidade do campo. Entre essas disciplinas estão: Alternativas da Educação do Campo; A questão Agrária no Brasil; A educação para o cooperativismo no campo e Bases Psicossociais da Educação de Jovens e Adultos. As etapas letivas intensivas perfazem 75% da carga horária total de cada disciplina. Durante todo o ano letivo do calendário escolar, ocorrem as etapas letivas intermediárias com um tempo previsto para o acompanhamento e a orientação aos alunos em cada município.
As etapas intermediárias destinam-se aos vinte e cinco por cento (25%) da carga horária restante de cada disciplina, nas quais cada aluno fica responsável de realizar leituras e estudos dirigidos pelo docente. Tais atividades precederão a etapa seguinte do curso, contemplando assim um conteúdo mínimo para o início do período intensivo. As etapas intermediárias destinam-se à prática da pesquisa de campo, à pesquisa bibliográfica e à reorientação dos projetos de pesquisas dos estágios. Nas etapas intermediárias, os alunos têm o tempo necessário para o aprofundamento e a reelaboração dos conceitos trabalhados nas etapas intensivas, nos períodos letivos. Por meio de leitura, de grupos de estudos e pesquisas e do contato com a realidade dos assentamentos, os alunos têm espaço e tempo de reflexão que lhes permitem avançar e apropriar-se, com maior segurança, dos conhecimentos desenvolvidos em sala de aula, além de estabelecer o vínculo necessário entre teoria e prática.
4.5 COORDENAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA/UFES
A Coordenação Político Pedagógica da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra é composta por um membro da direção do Movimento, setor de educação e três representantes dos estudantes e possuem as seguintes objetivos: garantir a continuidade de inserção dos (as) educandos (as) no processo pedagógico, dando sustentabilidade à gestão durante todas as etapas do curso; articular os interesses dos participantes para a realização das metas de aprendizagem e de produção; acompanhar pedagogicamente os (as) educandos (as) por meio dos núcleos de base, equipes, setores e também individualmente, levando em conta as condições objetivas e subjetivas do processo de formação; preparar com os (as) educandos (as) e professores (as) o Tempo Comunidade. Cada etapa do curso é constituída de um Tempo Escola (etapa intensiva) e de um Tempo Comunidade (etapa intermediária). O Tempo Escola é o período de realização das atividades presenciais do curso; o Tempo Comunidade é o período de realização das atividades de estudo a distância, de práticas pedagógicas complementares realizadas pelos estudantes, bem como de uma maior e intencionalizada inserção na forma de organização do próprio Movimento. Lembremos que tanto o Tempo Escola quanto o Tempo Comunidade constituem os pilares da Pedagogia da Alternância.
Conforme as discussões realizadas no segundo capítulo deste trabalho, a Pedagogia da Alternância se faz presente no Estado do Espírito Santo, em 1965, com as primeiras Escolas Famílias, mediante o trabalho de um jesuíta, o padre Humberto Pietrogrande. Não poderia afirmar uma identidade da proposta do Curso Pedagogia da Terra com o conjunto da proposta político-pedagógica dessas escolas, mas houve sim uma inspiração metodológica na sua modalidade de ensino alternado (Tempo Escola e Tempo Comunidade): propor atividades e orientações para os estágios; buscar a qualidade do ensino nas disciplinas, nos seminários e nas oficinas; acompanhar as atividades dos educandos em vista da observância pedagógica e, se for necessário, da influência pedagógica; acompanhar o processo de crítica e autocrítica dos (as) educandos (as); encaminhar a leitura diária; garantir a participação da Coordenação Político Pedagógica (CPP) nos trabalhos produtivos.
As equipes são formadas tendo como composição um representante de cada Núcleo de Base escolhido pelo próprio núcleo. O Curso Pedagogia da Terra possui as seguintes equipes com as respectivas funções ou tarefas: a equipe de disciplina tem a função de garantir o cumprimento do regimento interno da turma, inquirir casos extra-regimentais e propor possíveis alternativas para soluções dos fatos; a equipe de esporte, cultura e lazer têm como finalidade planejar e coordenar os eventos culturais como também as práticas esportivas realizadas durante cada etapa; equipe de saúde tem como tarefa zelar da saúde dos participantes do curso de maneira que se previnam contra possíveis doenças; organizar e controlar a distribuição e uso de medicamentos homeopáticos, fitoterápicos e encaminhar ao hospital pessoas que necessitam de atendimento médico. A equipe de comunicação tem como tarefa organizar a comunicação geral da turma, expor as principais notícias, informes e acontecimentos internos e externos, bem como coordenar o uso dos equipamentos e zelar por eles; a ciranda tem a função de cuidar do bem-estar dos sem-terrinha e mantê-lo, bem como coordenar e planejar as atividades com as educadoras infantis.
Conforme estudos realizados por Caldart (2000), o nome "sem-terrinha" surgiu por iniciativa das crianças que participaram do Primeiro Encontro Estadual das Crianças Sem Terra de São Paulo, em 1997. Elas começaram a se chamar assim durante o encontro e o nome acabou ficando, espalhando-se rápido pelo país inteiro. É importante destacar que o nome sem-terrinha nos remete ao movimento de constituição da própria identidade das crianças que começam já, desde o ventre da mãe, a assumir a luta, os valores, a cultura e a identidade de ser sem-terra. Numa sociedade excludente como a nossa, em que as crianças são as maiores vítimas da fome, da desnutrição e da exclusão social, a luta dos SEM TERRINHA se insere na luta maior do próprio Movimento para retomar a dignidade e a humanidade dos sujeitos do campo.
A equipe de finanças tem a função de possibilitar meios e recursos para angariar fundos a fim de possibilitar a realização das atividades extras e formatura. Quanto à organização do Curso Pedagogia da Terra, temos ainda os setores de produção e serviços. O trabalho dos setores está previsto na Proposta Pedagógica do Centro de Formação Maria Olinda, e é composto pelos setores de horta, de lavouras, de jardinagem-embelezamento e artesanato, de pecuária, de secretaria-biblioteca, de viveiro-pomar, de cozinha-refeitório e de construção e infra-estrutura. A segunda turma do Curso Pedagogia da Terra iniciou suas atividades no Centro de Formação Maria Olinda (juridicamente conhecido como CIDAP) a partir da quarta etapa.
As etapas anteriores aconteceram no Pólo Universitário da CEUNES, em São Mateus. Após a avaliação feita pelo Relatório Final da Pesquisa do PRONERA, já citado no início deste capítulo, observou-se que a CEUNES não oferecia as condições necessárias para o desenvolvimento de todas as atividades pertinentes ao Curso. Nesse sentido, a mudança de local da CEUNES para o Centro de Formação Maria Olinda representou um ganho qualitativo para alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra, oferecendo melhores condições para o bom andamento das atividades previstas no processo de formação, tais como:
espaço físico ampliado com refeitório; sala de aula com mais espaço físico para abrigar os alunos; biblioteca com livros específicos sobre a questão da educação do campo, sala com computadores à disposição dos alunos; dormitórios masculino e feminino com cama e colchões; horta, lavoura, pomar, farmácia, [campo de futebol para lazer dos alunos], secretaria e ciranda infantil. Apesar de o CIDAP fornecer melhores condições de trabalho que a CEUNES, atualmente apresenta algumas dificuldades que necessitam de atenção por parte dos parceiros envolvidos na luta pelo fortalecimento da educação do campo.
O salão onde acontecem as aulas é muito grande, o que dificulta a comunicação entre professores e alunos, e, no período de janeiro e fevereiro em que o calor é muito forte, torna-se difícil e quase impossível permanecer dentro dele. A biblioteca é muito pequena e necessita de mais espaço físico, organização e maior acervo de livros, para serem emprestados aos alunos do curso no período em que retornam aos assentamentos.
Cada setor tem sua tarefa específica a ser realizada nas respectivas etapas do curso pelos (as) alunos (as): o setor de horta é composto de 16 membros e tem, como tarefa principal, elaborar um planejamento da horta e do horto medicinal e executá-lo de modo que atenda às demandas do Centro de Formação durante a etapa do curso; o setor de lavouras é constituído de 15 membros e tem como função dar continuidade aos trabalhos iniciados e elaborar um planejamento de produção fundado na estrutura existente e na área disponível; integra o setor de jardinagem-embelezamento e artesanato 4 membros da turma, levando em consideração as habilidades pessoais para a realização das atividades de organização de canteiros ornamentais, placas educativas e indicativas, confecção de faixas e painéis e produção de artesanatos diversos; o setor de pecuária é constituído de 4 membros e tem como função fazer um planejamento de acordo com as estruturas e iniciativas já existentes no local. Este setor tem como linhas de produção o gado leiteiro e a criação de porcos.
Na quinta etapa do curso, por exemplo, podemos observar mais de perto a realização dessas atividades participando durante os 20 dias em que permaneci no Centro de Formação, das diversas atividades desenvolvidas pelos respectivos setores, tais como capina da lavoura, da horta, pintura e embelezamento do jardim. Essas atividades desenvolvidas pelos setores acontecem diariamente no curso, com um tempo de uma hora de duração, e envolve todos os estudantes do curso que organizados coletivamente em setores, buscam dar o melhor de si para o bem da coletividade. Nesse sentido, assim se expressa um aluno da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra:
A gente considera todos os espaços como educativos e políticos-pedagógicos. E você vê a importância de um dos princípios da organização que é o trabalho, principalmente o trabalho coletivo. Então você vê que aqui a gente tenta fazer justamente o que Marx chama de práxis. Na divisão das tarefas, por exemplo, a gente tenta quebrar o machismo e coloca a questão do gênero onde o homem não está limitado só a algumas tarefas, mas todas as tarefas nós somos capazes de fazer e a mesma coisa com as mulheres, muitas tarefas que no dia a dia no seu cotidiano normal não se acham aptas a fazer, aqui a gente tenta colocar em prática. Você está vendo que tem mulheres aí trabalhando em construção, com a parte elétrica.
A responsabilidade coletiva pela realização das diferentes atividades do curso constitui-se em um momento formativo, possibilitando o intercâmbio e a troca de experiências entre os alunos por meio do trabalho prático, realizando dessa forma um dos aspectos da relação entre teoria e prática. Além disso, torna possível às alunas um momento de descanso intelectual após uma carga horária de oito horas de aula consecutivas. O setor de secretaria-biblioteca é composto de 3 pessoas. Cabe a este setor a organização e o funcionamento da secretaria do Curso. Entre as tarefas está a de organizar e controlar os materiais, digitar textos, organizar a memória do curso, tirar cópias de apostilas, textos das diferentes disciplinas para os alunos, grampear as apostilas, recolher os relatórios, fazer relato das atividades diariamente e secretariar as assembléias; integram o setor de viveiro-pomar 6 membros que têm a incumbência de realizar um planejamento, para cultivar mudas diversas para ornamentação, arborização e reflorestamento do Centro de Formação;
representam o setor de cozinha-refeitório três (3) pessoas que têm a função de planejar e auxiliar a execução da produção de alimentos, controle de estoques, limpeza e higiene da cozinha, refeitório e bebedouro; o último setor, que é o de construção e infra-estrutura, possui 7 membros e tem a responsabilidade de ajudar na infra-estrutura, na manutenção, cuidar do bar e do lixo advindo das dependências do Centro de Formação. Como discutimos no primeiro capítulo deste trabalho, podemos observar que a organização do Curso Pedagogia da Terra reflete, em grande parte a própria organicidade do MST, que tem, como um dos seus princípios formativos, a educação para o trabalho e a cooperação.
4.6 O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA UFES
O Curso Pedagogia da Terra - UFES foi ofertado para a primeira turma a partir de setembro de 1999, culminando com as defesas de monografia no mês de julho de 2002. A segunda turma iniciou a primeira etapa do Curso em 2003. O currículo para ambas as turmas foi composto da mesma grade curricular e contém oito períodos de 300 horas cada um mais 120 horas de monografia no último período. Para agilizar os trâmites legais do projeto do curso, considerou-se prudente adotar a mesma proposta curricular do curso de pedagogia ofertado no campus da UFES, em Vitória, e na CEUNES. "O curso tem estrutura curricular equivalente ao curso de pedagogia ministrado no Centro Pedagógico da UFES, aprovado pelo CNE, através do parecer n. 923/89 de 9.11.89" (UFES/CP: 2002 p. 8). No entanto, o MST iniciou diálogo com equipes do Centro de Educação para introduzir na grade curricular disciplinas específicas de interesse do Setor de Educação do MST, sobre a educação no/do campo, a saber: Alternativas da Educação no Campo; A Questão Agrária no Brasil; Educação para o Cooperativismo no Campo e Trabalho de Conclusão do Curso. De acordo com as entrevistas realizadas aos alunos do curso, grande parte dos professores indicados pela UFES acaba redimensionando seus planejamentos na medida em que interagem com a turma e percebem as necessidades dos professores do MST. Nesse sentido, assim se expressa uma aluna do curso:
Para o trabalho com a turma faz uma diferença muito grande quando o professor (a) já tem um certo conhecimento do trabalho que o Movimento realiza através das escolas do campo e então busca relacionar os conteúdos científicos de sua disciplina com essa realidade interligando os aspectos teóricos com os aspectos práticos. A formação deve estar vinculada com a realidade das escolas do campo. A educação do campo deve unir as dimensões da teoria com a prática.

A proposta do MST de incluir as disciplinas ligadas à realidade dos professores deu-se para garantir que, no processo de formação, estivessem presentes a cultura, os valores, os saberes e a identidade dos sujeitos do campo. Assim incluíram mais 120 horas no curso para o "Trabalho de Conclusão de Curso". Desse modo, a carga horária total do curso é 2.520 horas. No que se refere à adequação dos horários, buscou-se construir uma proposta que atendesse às necessidades dos professores de assentamentos que participam do curso. Desse modo, definiu-se que os semestres, cada um com cinco disciplinas de 60 horas, totalizando 300 horas cada um, seriam distribuídos em oito etapas intensivas nos meses de janeiro, fevereiro e julho. Na oitava etapa, é ministrada somente a disciplina de Estágio Supervisionado de 300 horas. Como exigência do MST, nesta última etapa, os estudantes devem concluir a monografia final do curso, que conta com 120 horas. Em cada etapa, as atividades estão centradas na oferta de disciplinas previstas na grade curricular, ministradas pelos docentes especialistas da UFES, com orientação de estudos, discussão e formulação e reformulação de trabalhos, realização de seminários, programação de estudos orientados semipresenciais, enfim, na realização de tarefas práticas e teóricas pertinentes à formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental. Entre uma etapa e outra, os alunos recebem trabalhos orientados em cada uma das disciplinas desenvolvidas na etapa anterior, correspondendo a uma carga horária total de 25%, isto é, 15 horas para cada disciplina que compõe a grade curricular do curso. Na dinâmica de funcionamento do curso, entende-se que a alternância entre períodos de atividades teóricas na Universidade e de atividades práticas nas escolas dos assentamentos possibilita a integração entre os conhecimentos acadêmicos do curso e a realidade da educação do campo onde atuam os professores do MST. Podemos identificar isso na fala de um aluno do curso:

Outro exemplo que a gente pode dar bem recente, nós tivemos a disciplina Educação Infantil e aí no trabalho extra-classe nas quinze horas não presenciais a gente tinha uma tarefa de construir um parque infantil; mas esse parque infantil não era uma mera construção concreta, mas que esse parque deveria envolver toda a comunidade e sua função era fazer com que as crianças tivessem seu momento de lazer, os pais das crianças conhecessem a importância da educação, chamando atenção da comunidade para que se integre no meio educativo da escola. A gente briga muito por isso: que a escola sem a comunidade falta um pedaço! Então veja como esse momento foi rico!

Ao indagarmos os alunos e professores sobre as demandas de educação nos assentamentos e se o Curso Pedagogia da Terra, por meio das diferentes disciplinas, objetivos, conteúdos e metodologia, consegue dar conta da especificidade dessa educação, percebemos que, de modo geral, os estudantes reconhecem que sim, apesar de que ainda faltam a alguns professores mais conhecimento e afinidade com os princípios da educação do campo. Nesse sentido, podemos afirmar conforme Foerste (2004): se de início há um sentimento de que as coisas chegam prontas da Universidade, na medida em que sujeitos históricos se colocam em movimento interativo, com suas múltiplas identidades e inserções na sociedade, abrem-se possibilidades objetivas para a construção coletiva de um outro projeto educacional que tanto fertiliza debates no contexto tradicional da academia como estimula a sistematização de uma alternativa de educação comprometida com as necessidades e desafios dos sujeitos do campo. O gráfico abaixo sinaliza para essa questão:















Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.

De fato, estudantes, coordenadores e professores do curso reconhecem que o projeto curricular prescrito nem sempre é levado pelos sujeitos do processo às últimas conseqüências na prática, uma vez que a dinâmica do curso possibilita múltiplas alternativas reflexivas que colocam saberes acadêmicos valorizados pela Universidade e saberes da prática dos professores de assentamento em diálogo, abrindo possibilidades para a construção de um novo projeto curricular vivido, marcado pelas condições concretas de vida dos sujeitos envolvidos no processo e colocados em prática, por meio de utopias, esperanças e compromissos políticos em favor da transformação da sociedade de classes.
4.7 O CORPO DISCENTE DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA/UFES
Na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra – UFES estão matriculados regularmente 58 estudantes. Estavam previstas 60 vagas de início (houve desistência de dois alunos). Os alunos estão distribuídos por Estado da seguinte forma: 43 do ES, 13 da BA e 02 RJ – Do total de 58 alunos, 45 são do sexo feminino e 13 do sexo masculino. Um total de 24 estudantes atua há, pelo menos, cinco anos como professor. Podemos observar esses dados de forma mais detalhada no gráfico abaixo:
Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.
Os estudantes da segunda turma organizam-se em oito núcleos: Núcleo Esperança; Núcleo Sementes de Esperança; Núcleo Oziel; Núcleo Flamboyant; Núcleo Ciclo da Vida; Núcleo Amor à Causa; Núcleo Liberdade; Núcleo Desafiador. Para cada dia da semana, as tarefas ficam sob responsabilidade de execução dos membros de um dos núcleos, tais como: limpeza e organização do alojamento, dos banheiros, do pátio, do refeitório, da cozinha, da sala de aula e a coordenação da mística diária. Todo professor, quando inicia seus trabalhos com a turma, é informado a respeito da maneira como os alunos se organizam internamente, desde o amanhecer até o horário de se recolher para o descanso noturno, e ele é convidado a participar dos espaços-tempos-saberes do curso, tais como: as refeições, as celebrações da mística, as atividades culturais e os trabalhos produtivos. As atividades começam às 5 h 30 min com o nascer do dia e terminam por volta das 22 horas, com intervalos de uma a duas horas no máximo, após o almoço e jantar. Os finais de semana estão programados para muito trabalho, com realização de seminários, reuniões de planejamento e avaliação, palestras, estudo em grupo, organizados pelos Coordenadores do Curso do MST e/ou pelos estudantes. Essas atividades centram-se no aprofundamento de aspectos teórico-práticos de interesse dos professores de assentamentos do MST:
Só complementando, ainda sobre essa questão, nós estamos trabalhando, estudando pela parte da manhã, tarde e noite e, durante os intervalos que temos de almoço, lanche, nós temos outras atividades porque durante quarenta dias, nós moramos aqui. Então, aqui, nós temos que dar conta de tudo. A única coisa que nós não fazemos durante a semana, é só o almoço. Todas as outras coisas a gente faz, mas isso já é de praxe, o curso é uma vivência do Movimento Sem Terra, que trouxe e traz para nós e é muito bom, porque a gente se dá conta de que é capaz de fazer muita coisa. (Aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).

Os alunos afirmam que o Curso Pedagogia da Terra é uma conquista importante para a construção coletiva da parte do MST de um projeto de educação no/do campo. Reconhecem que uma formação de terceiro grau dos professores que trabalham em escolas de assentamentos possibilita trocas importantes de experiências entre Universidade, Movimentos Sociais e o PRONERA.
4.8 O CORPO DOCENTE DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA/UFES
O corpo docente envolvido no Curso Pedagogia da UFES está distribuído em três departamentos do Centro de Educação, contando com a colaboração de professores pesquisadores de áreas afins, como os cursos de Letras, Artes, Geografia, etc. De acordo com a pesquisa desenvolvida pelo PRONERA (Foerste, 2004), os professores são convidados a ministrar disciplinas no Curso Pedagogia da Terra conforme as especificidades das pesquisas que estão desenvolvendo, sua formação e da identificação com as lutas dos trabalhadores rurais sem-terra. No caso do Centro de Educação, cada departamento avalia a solicitação feita pela Coordenação Pedagógica do Curso, tomando as providências para a liberação do docente para trabalhar na respectiva etapa do curso para a qual é solicitado. Na prática ocorre com freqüência de professores se colocarem à disposição do trabalho no Curso Pedagogia da Terra pela simpatia ao MST, porque acreditam no projeto de transformação social. Um professor que lecionou na segunda turma assim se refere quando foi perguntado sobre os critérios de seleção para atuar no curso:
Aí eu acho que tem que ser pela própria seleção dos professores, porque os alunos eles já são selecionados previamente. Todo professor que se destina a ir para um curso deste ele tem que ter a marca da militância, não é qualquer professor! Não pode ser um professor burocrata que vai lá para ganhar um dinheiro a mais! Não pode ser um professor que vai lá para ter uma marca maior em seu currículo! Fundamentalmente ele tem que trocar com seus alunos os sinais, estar disposto a aprender, a vivenciar e a conviver! É muito diferente você se envolve a nível emocional, você passa uma semana todos os dias, três períodos envolvido com os alunos! Então eu acho que a diferença é essa: está na seleção de professores!

O Setor de Educação do MST tem indicado nomes de pesquisadores de outras universidades ou instituições de ensino e pesquisa para ministrar algumas disciplinas, sobretudo aquelas que tratam das questões do campo: Alternativas de Educação do Campo, A Questão Agrária no Brasil, A Educação para o Cooperativismo no Campo, Trabalho de Conclusão do Curso.
No processo de planejamento e avaliação das diferentes etapas, o Setor de Educação do MST tem reivindicado a presença de alguns professores de fora dos quadros da universidade (ligados a movimentos sociais), mas os departamentos responsáveis pelas disciplinas na UFES argumentam que disponibilizam de docentes qualificados e interessados para assumirem e coordenar as atividades programadas no currículo. Nesse sentido, fundamentados na pesquisa do PRONERA (Foerste, 2004), podemos afirmar que essa situação gera um certo desconforto entre os alunos e professores no início de cada etapa do curso. Felizmente, na maior parte dos casos, os problemas acabam sendo superados na medida em que a relação professor-aluno desencadeia processos interativos pautados em práticas de diálogo e colaboração, fundamentadas no trabalho coletivo, no respeito às diferenças, na vivência e exercício permanente da solidariedade.
Os professores da UFES reconhecem que trabalhar no Curso Pedagogia da Terra implica desafios teórico-práticos que sugerem uma abertura para o trabalho coletivo, motivado pelas lutas históricas de significativas parcelas oprimidas da sociedade de classes por uma vida digna para todas as pessoas, sem distinção étnica, religiosa e de gênero. Isso supõe um projeto alternativo de sociedade em que os excluídos possam ser incluídos, ter sua dignidade e os direitos sociais garantidos: terra, trabalho, educação, moradia e saúde. Nos depoimentos dos professores da UFES, foi praticamente unânime a idéia de que trabalhar com os professores dos assentamentos significa colocar-se num movimento de desconstrução da racionalidade técnica que permeia o processo de formação de profissionais do ensino na Universidade. Conforme discussões feitas por Foerste (2005), recuperar a profissão docente em nossa época implica debates que possibilitem a construção coletiva de políticas públicas interinstitucionais de profissionalização do professor. A hipertrofia da dimensão teórica na Universidade, gerada pelo engessamento das disciplinas e territorialização do conhecimento, despreza a dinâmica e contribuições dos saberes da experiência na qualificação de profissionais capazes de produzir transformações significativas no contexto social.
Assim um currículo construído de pressupostos da práxis pode levar a uma nova postura dos professores e favorecer mudanças necessárias, fundamentadas em uma nova prática profissional capaz de superar as contradições da sociedade de classes. A prática social do MST se dá na dinâmica dos embates da luta coletiva pela superação das desigualdades sociais da sociedade atual. Tal concepção está presente nos espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra e se traduz em gestos, olhares, palavras que buscam na educação algo que está para além dela: a conquista da terra e nela da própria vida.
4.9 PEDAGOGIA DA TERRA: OS ESPAÇOS-TEMPOS-SABERES DO MOVIMENTO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA.
Entre os dias 5 e 10 de janeiro de 2004, estive em São Mateus, norte do Estado do Espírito Santo, para participar de mais uma etapa do Curso Pedagogia da Terra. Estavam presentes, participando ativamente do curso, os (as) professores (as) do MST de três estados brasileiros (RJ, ES e BA). Participou do encontro como professora, do dia 5 a 10, a professora Isabela Camini, educadora do MST que ministrou a disciplina, Alternativas para a educação do campo. No primeiro dia da semana, a professora fez uma breve apresentação de todos os participantes da turma e da proposta de trabalho da disciplina Alternativas para a educação do campo. Falou da importância da disciplina e de como seria organizada a semana quanto a horários e atividades a serem desenvolvidas com a turma. Pela parte da manhã, a professora realizou uma breve apresentação sobre o tema da educação do campo e logo após propôs à turma um trabalho de grupo.
A turma se auto-organizou em grupos e se distribuíram pelo espaço da Coordenação Universitária Norte do Espírito Santo (CEUNES) e procedeu à leitura em pequenos grupos do texto: "Educação básica e movimentos sociais" de autoria de Arroyo (1999). A leitura do texto foi seguida de reflexão para entender o conteúdo textual estabelecer uma relação entre a teoria e a experiência dos (as) professores (as) nas escolas dos assentamentos.
Depois de um intervalo para o almoço (das 12 h às 14 h), os grupos retornaram para a sala de aula a fim de socializarem em plenário a reflexão realizada nos pequenos grupos. A professora conduziu o trabalho solicitando aos alunos (as) o levantamento das palavras-chave do texto; depois pediu que os (as) alunos (as) destacassem entre essas palavras as dez mais importantes; em seguida solicitou aos alunos que identificassem a que classe gramatical a palavra pertencia (verbo, substantivo, adjetivo) e reconstruíssem o texto com base na realidade da educação do campo.
Pelo período da noite, após o jantar (que se dava sempre às 18 h 30 min) a turma assistiu a uma fita de vídeo sobre "desenvolvimento sustentável e educação básica do campo" proferida pelo líder nacional do MST: João Pedro Stédile. Em sua exposição, falou sobre os dois projetos de desenvolvimento sustentável para o campo: o projeto liberal da burguesia e das oligarquias nacionais e multinacionais que entendem o desenvolvimento sustentável apenas e tão somente com base numa lógica do mercado e do lucro. Para os interesses capitalistas, a natureza e o ser humano não têm um valor em si mesmo, mas valem à medida que são úteis ao sistema e ao acúmulo de riquezas e de terra.
Ao analisar a situação da agricultura brasileira e da educação do campo, destacou três grandes modelos econômicos adotados na nossa economia e na nossa agricultura. Na época colonial, predominou o que chamou de modelo agro-exportador, em que toda a produção de nossa sociedade era organizada em torno de produtos agrícolas destinados à exportação para as metrópoles européias. Com o processo de industrialização de nossa economia, a Revolução de 30, quando a nascente burguesia industrial destrona a oligarquia rural, instala-se o modelo de industrialização dependente, um processo rápido de instalações de fábricas e indústrias no país, mas dependente do capital estrangeiro. Com esse modelo, surgiram algumas mudanças econômicas importantes no meio rural. Acabou-se a escravidão, mas os negros não se transformaram em camponeses. Fez ainda uma crítica contundente à Lei de Terras, de 1850, quando os ex-escravos ficaram excluídos do acesso à terra, pois a lei somente permitia ter acesso à terra a quem tivesse dinheiro para regularizá-la perante a coroa. O modelo de desenvolvimento baseado na industrialização dependente deu certo para a indústria, transformou o país de agrário para a oitava potência industrial do mundo. Levou a um processo de urbanização, mas entrou em crise na década de 1980. É no contexto dessa crise que surge o modelo que subordina nossa economia ao capital internacional. Nesse modelo quem passa a ganhar mais dinheiro, quem passa a acumular em nossa economia são, fundamentalmente, os grandes grupos econômicos, multinacionais e o setor financeiro. O líder nacional do MST terminou sua fala afirmando que o projeto popular de desenvolvimento sustentável, em construção mediante as ações dos movimentos sociais, está centrado na agricultura familiar, na reforma agrária e na preservação da natureza em sua totalidade, incluindo nela o ser humano e as gerações futuras.
No final da exibição da fita, a professora solicitou aos (às) alunos (as) que registrassem no caderno os pontos importantes que cada um (a) destacou e disse que, na manhã do dia seguinte, seria realizado um debate sobre o conteúdo da fita a partir dos apontamentos e assim foi feito. Além de participar dos trabalhos de grupos, tive a oportunidade de conversar com a coordenadora da turma. A conversa aconteceu informalmente nos momentos de café, almoço e não teve um guia com perguntas prévias a serem feitas. Perguntei a ela sobre a organização curricular do curso e sobre os (as) professores (as) que ministravam as diversas disciplinas. Segundo seu depoimento, o Curso Pedagogia da Terra é composto pelas disciplinas normais do curso de pedagogia da UFES e por algumas disciplinas ligadas diretamente à terra, como a que estava sendo ofertada durante aquela semana: Alternativas da educação do campo.
Acredito que aí está a justificativa do nome Pedagogia da Terra, uma pedagogia voltada para a terra, para a realidade dos sujeitos que vivem na e da terra. Podemos afirmar também que esta seja uma das diferenças fundamentais entre o curso de pedagogia e o curso de Pedagogia da Terra: o Curso Pedagogia da Terra não é simplesmente um transplante ou cópia do curso de pedagogia da UFES. Quanto aos (às) professores (as) que ministram as disciplinas, alguns são indicados pela Universidade (UFES) e outros são escolhidos e indicados pelo próprio Movimento (MST). A respeito desse ponto, indaguei se ela percebia diferença entre a prática pedagógica dos (as) professores (as) que são indicados pela Universidade e a daqueles que são indicados e escolhidos pelo próprio Movimento.
Os (as) professores (as) que têm uma prática de militância ou algum envolvimento com o MST conseguem fazer melhor a relação entre o conteúdo das disciplinas e a realidade dos (as) alunos (as), isto é, articulam melhor teoria e prática, possibilitando aos (as) alunos (as) uma aprendizagem mais significativa e uma releitura da própria experiência (nas escolas dos assentamentos). No caso dos (as) professores (as) que não têm nenhum envolvimento com o MST ou com a proposta pedagógica do Movimento, encontram maior dificuldade de realizar um intercâmbio entre os conteúdos específicos de uma determinada disciplina com os Princípios Filosóficos, Pedagógicos e Metodológicos do MST. Podemos confirmar isso pelo depoimento de um aluno do Curso:
Eu não poderia falar aqui de forma generalizada, mas eu posso dizer que os professores que vêm da UFES, pelo menos aqueles que já têm um conhecimento da pedagogia que o Movimento almeja, então esses professores já chegam aqui com uma metodologia de trabalho adequada com aquilo que nós pensamos, que nós realizamos.

Quando foi perguntanda sobre quem são os intelectuais que fundamentam ao aspecto filosófico, pedagógico e metodológico a proposta de educação do MST, a coordenadora da turma respondeu que em síntese são: Paulo Freire, Florestan Fernandes, Miguel Gonzales Arroyo, Roseli Salete Caldart, Bernardo Fernandes Mançano, pois são intelectuais comprometidos com a transformação da sociedade e com a luta do povo. "É no diálogo, fecundo e amoroso com a obra desses pensadores, comprometidos com a luta do povo que aprendemos/ensinamos a lutar por nossos direitos, nossa dignidade e na construção de uma sociedade justa e fraterna".
A participação em algumas etapas do curso, na pesquisa do PRONERA, no I Encontro da Região Sudeste, no Seminário sobre o MST e a educação promovido pela UFES, as leituras realizadas no decorrer da pesquisa, tudo isso foi importante para o amadurecimento e a construção do olhar do pesquisador sobre o objeto investigado favorecendo a construção e a elaboração de um roteiro de pesquisa. Nesse sentido, com o objetivo de participar do processo de formação do professor sem-terra, e registrá-lo elaboramos um documento que deveria servir como guia de nossa pesquisa.
O documento foi elaborado tendo como objetivo identificar, no cotidiano do curso, os espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra. Nesse sentido, entregamos aos membros da equipe de coordenação um documento escrito em que citava os objetivos e os procedimentos metodológicos da pesquisa. Nesse documento propomos, para o bom andamento da investigação, a formação de um grupo de pesquisa composto de cinco a seis pessoas selecionadas por meio dos seguintes critérios: ser aluno regular do Curso Pedagogia da Terra; ser professor nas escolas de assentamento e/ou acampamentos sem-terra;
ser assentado pelo MST; ter um ciclo de vida profissional de no mínimo cinco anos de atuação docente e estar disposto livremente de participar da pesquisa. Como podemos verificar no gráfico 14 alunos (as) do Curso Pedagogia da Terra possuem entre três e cinco anos de atuação profissional como professor e 24 alunos (as) têm mais de cinco anos de experiência profissional:

Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.
Esse grupo de pesquisa com o pesquisador teria como metas observar, participar de entrevistas individualmente ou em grupo, tomar nota no diário de campo das seguintes questões relativas ao processo de formação do Curso Pedagogia da Terra: como se processa a formação nos espaços-tempos-saberes das aulas, tais como conteúdos ministrados pelos professores, metodologia utilizada no desenvolvimento das aulas, sistema de avaliação adotado pelos professores, relação professor-aluno, dificuldades encontradas no processo ensino-aprendizagem; organização do espaço-tempo do curso que inclui formação política, mística, noites culturais, tempo livre, trabalhos práticos, viagens de estudo e passeio; relação teoria e prática entre os conhecimentos acadêmicos do curso com a realidade da educação do campo. Durante a conversa, a equipe pedagógica argumentou que se poderia formar o grupo a fim de entrevistar cada componente, mas que seria muito difícil e pesada para os alunos a realização do diário de campo, já que eles estavam com muitas atividades referentes ao processo de formação do curso e que mais uma atividade representaria uma sobrecarga extra de trabalho, acarretando uma perda em relação a alguma atividade do curso. Atendendo às considerações da equipe de coordenação do curso, procuramos replanejar nossas atividades em relação ao desenvolvimento da pesquisa.
Com base em critérios estabelecidos com a equipe de coordenação, selecionamos um grupo de seis pessoas para participar da pesquisa. Esse grupo foi composto de seis pessoas, cinco mulheres e um homem, e foi indicado pela equipe de coordenadores. Realizamos entrevista com todo o grupo, com perguntas abertas em que podiam expressar livremente suas idéias e pensamentos sobre as dimensões técnica, política e cultural do processo de formação do professor sem-terra e uma entrevista com cada aluno do grupo sobre questões relativas ao Curso Pedagogia da Terra. Com esse grupo, reunimo-nos para realizar a entrevista focal, cujas perguntas eram abertas e sobre as quais todos podiam falar livremente. Combinamos a possibilidade de entrevista cada membro, respeitando o tempo e a disponibilidade de cada um. Dessa forma, marcamos com cada participante do grupo um dia e horário para as entrevistas individuais de maneira que não prejudicasse o encaminhamento das outras atividades acadêmicas. Além dos alunos selecionados para a entrevista do grupo focal e individual, conversamos com outros alunos do curso sobre a possibilidade de ler os seus escritos do caderno pessoal de reflexão. Ao todo consegui ter acesso a dez cadernos. O caderno de reflexão, pelo que pudemos observar com base no que os alunos disseram em entrevista e em conversas informais, constitui um documento em que o aluno registra individualmente o que considerar importante sobre o seu processo de formação; caracteriza-se como um documento importante, pois contém registros pessoais sobre o processo de formação do professor, bem como da própria subjetividade. Nesse sentido, podemos afirmar que o caderno de reflexão tem uma dimensão formativa muito rica, a de possibilitar a cada aluno, de forma individual e coletiva, um pensar sobre o processo de formação, sua dinâmica, seus espaços-tempos-saberes, a relação teoria e prática, em busca de uma práxis emancipadora e libertadora. As entrevistas realizadas com alunos (as), professores (as), coordenadora, as observações registradas pelo pesquisador, os registros do caderno de memória da turma e do caderno de reflexão dos alunos, os documentos referentes ao curso, tais como grade curricular, programas de disciplinas, foram importantes instrumentos metodológicos que serviram de base para a análise dos diferentes espaços-tempos-saberes da formação do professor sem-terra.
Ao pensar nesse movimento de formação do professor sem-terra, procuramos relacioná-lo com algumas dimensões que consideramos fundamentais: a dimensão técnica, que se refere aos conteúdos das diferentes disciplinas que compõem a grade curricular do curso conformando os conhecimentos acumulados nas diferentes áreas do saber humano e constituindo, dessa forma, uma das dimensões basilares do exercício da profissionalidade docente; a dimensão política, própria do ato de educar e, no caso do Curso Pedagogia da Terra, diz respeito à luta por um modelo alternativo de sociedade ancorado na utopia da justiça social e na luta pela Reforma Agrária, como um dos caminhos possíveis desta nova sociedade; a dimensão cultural, que se refere à formação da consciência organizativa, à cooperação, à solidariedade, à vivência de valores e ao cultivo da capacidade de sonhar, de ter esperança, de projetar o futuro pessoal e coletivo.
Nesse sentido, podemos afirmar conforme (Tardif, 2002), que os saberes da formação são produzidos pelas ciências humanas e da educação, sobre o professor, o ensino e a aprendizagem e transmitidos pelas instituições formadoras para serem incorporados à formação e à prática do professor. Entre esses saberes podemos citar: os saberes das disciplinas, os saberes curriculares e os saberes da experiência. Os saberes das disciplinas correspondem às diferentes áreas do conhecimento e integram a formação inicial e a formação contínua dos professores mediante as diversas disciplinas específicas que compõem os currículos dos cursos universitários. No Curso Pedagogia da Terra, os saberes das disciplinas estão contemplados na grade curricular e dizem respeito aos conhecimentos da Filosofia, da Sociologia, da Biologia e de outros, necessários ao exercício da profissionalidade docente.
Os saberes curriculares referem-se aos conteúdos programáticos; são recortes das diferentes áreas do conhecimento humano que são selecionados e definidos pelos sistemas e/ou pelas instituições escolares, considerados como relevantes e necessários à formação dos alunos num dado nível de ensino. Os saberes curriculares fazem parte tanto das diretrizes de ensino, propostas no âmbito do sistema escolar, como dos programas de ensino, traduzidos em conteúdos, objetivos e métodos, no âmbito das escolas, faculdades e universidades. No Curso Pedagogia da Terra, esses saberes se manifestam nos conteúdos trabalhados nas diferentes etapas do processo de formação do professor sem-terra. Assim os professores do Curso Pedagogia da Terra buscam integrar o conhecimento teórico das disciplinas que lecionam com a realidade dos alunos:
É importante também destacar a relação que temos com os professores, mesmo que eles não conheçam a nossa realidade, eles se encaixam, a gente acaba tendo um convívio bom. Isto reflete nossa prática, os professores se encaixam eles conseguem desenvolver o trabalho voltado para nós e nós para eles; isto é importante para a gente, e também na prática de sala de aula, a gente leva muitos conhecimentos bons dos professores, porque aqui não se discute somente o que acontece nas quatro paredes. O nosso curso é voltado para a teoria e a prática, ele tem esta visão de estudo e trabalho, porque estudamos e trabalhamos ao mesmo tempo, porque na nossa prática em nossa escola também no assentamento e acampamento é assim.


Na avaliação dos alunos, o Curso Pedagogia da Terra tem reconhecido e valorizado os saberes, os valores, a cultura e a realidade do campo. Há, nesse sentido, uma percepção das inovações pedagógicas que englobam a introdução de temas ligados à realidade dos assentamentos, como exemplo, as disciplinas alternativas educacionais para o campo, cooperativismo, temas como arte, conjuntura socioeconômica e política, oficinas pedagógicas, saídas a campo, trabalhos em grupos para a realização de sínteses dos conteúdos aprendidos. Os saberes da experiência ou saberes da prática conformam a dimensão cultural do processo de formação dos professores sem-terra e referem-se aos saberes especificamente desenvolvidos no exercício da docência e na prática profissional, fundamentados e validados pela experiência dos professores, no seu meio e no dia-a-dia de sua profissão.
Constituem um repertório de saberes e de práticas que não provêm dos cursos de formação ou dos currículos estabelecidos, nem tampouco se encontram sistematizados num corpo teórico. Estão incorporados como uma cultura docente em ação que preside às decisões individuais e coletivas e permite lidar com as situações concretas, muitas vezes imprevisíveis, transitórias, singulares e as dificuldades com que o professor sem-terra se depara em sua realidade, nas escolas dos assentamentos. Nesse sentido, assim se expressa um aluno do Curso Pedagogia da Terra:
Quando fizemos a disciplina Filosofia da Educação, foi muito útil para mim, eu estava terminando um período com a Educação de Jovens e Adultos. Então para colocar essa teoria na prática lá, a gente provocava o aluno a pensar, a colocar em prática o seu conhecimento que é riquíssimo, são muitos alunos com mais de 40 anos de vida, imagina quanto conhecimento não há numa pessoa que já viveu 40 anos. Então a gente provocava essa pessoa a colocar no papel o seu conhecimento. Ele chega tão humilde, desmotivado, achando que o seu conhecimento é inútil, aí vai essa provocação tanto da criança, do adulto e do jovem a pensar que é importante para nós que cada um tenha seu pensamento crítico sobre o mundo. E de certa forma são científico também; eles já provaram na prática que dá certo, que suas experiências dão certo; a gente pode chamar de científico também!


Essa interação entre os saberes é fundamental no processo de formação do professor sem-terra, pois possibilita o vínculo com sua realidade, valorizando seus valores, sua cultura e sua identidade. Portanto, podemos afirmar que um currículo que contempla as particularidades socioculturais e que busca consolidar uma nova visão do campo é o diferencial do Curso Pedagogia da Terra.
4.10 O ESPAÇO-TEMPO-SABER AULA: "CANETA NA MÃO, ENXADA NO CHÃO, LUTANDO TODOS EM PROL DA LIBERTAÇÃO"
As leituras e análises realizadas nos cadernos de reflexão nos apontam para a predominância de questões relativas ao espaço-tempo-sala de aula e questões mais ligadas à vivência subjetiva dos (as) alunos (as). As reflexões giraram em torno de conteúdos referentes às disciplinas que compõem a Grade Curricular do Curso Pedagogia da Terra nas suas diferentes etapas, demonstrando a importância de cada uma para o processo de formação do professor. Alguns (as) alunos (as) destacaram a mística como momento marcante do dia, seu conteúdo e significado para reconquistar os valores, a cultura e a identidade do professor sem-terra. Merecem destaque também as questões de ordem pessoal e subjetiva dos alunos, tais como a saudade dos familiares, as dificuldades encontradas durante o processo de formação, as alegrias e vitórias alcançadas. Nesse sentido, destacamos uma frase de uma aluna do Curso Pedagogia da Terra: "na pedagogia do MST alfabetizar vai além do ler e escrever" e ainda uma outra, "Educação do campo direito nosso, dever do Estado". Observei ainda que alguns alunos, entre os dez cadernos a que tive acesso, destacaram a dimensão política de transformação da sociedade capitalista e a educação do campo como uma ferramenta importante nessa luta. Não é qualquer educação que serve para os sujeitos do campo. Os alunos do Curso Pedagogia da Terra têm consciência de que o processo de formação do curso deve garantir essa integração entre os conhecimentos teóricos e a experiência que trazem de sua realidade na condição de educadores nos assentamentos do MST.

Uma questão a ser destacada e merece ser trabalhada no curso consiste na dificuldade que alguns alunos tiveram na escrita, ao manifestar o pensamento, em fazer a concordância verbal e nominal, em escrever e acentuar as palavras corretamente. Em conversas e entrevistas com alguns professores e mesmo com alunos, essa parece ser uma das dificuldades que precisam ser vencidas no processo de formação do professor sem-terra. Os professores que ministraram disciplinas na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra, pelo menos os que pudemos entrevistar, destacaram a importância de desenvolver um trabalho para melhorar a leitura e a escrita dos alunos de forma geral. Nesse sentido, assim se expressou uma professora do Curso:
A gente tem que trabalhar os conhecimentos oriundos da realidade dos alunos, mas temos que fazer com que esses alunos conheçam outras realidades e para chegar a isso a leitura é fundamental! Sozinha ela não dá conta do conhecimento, mas ela é um instrumento de trabalho! Eu não consigo pensar um curso superior em que os alunos não desenvolvam a prática da leitura e conseqüentemente da produção escrita.


Para a professora, a leitura e a escrita constituem alicerces fundamentais no processo de formação do professor, tanto na formação inicial quanto na formação continuada. No espaço-tempo-sala de aula, a professora buscou desenvolver uma metodologia que levasse os alunos a escrever e falar sobre sua experiência de leitura e escrita. No caso específico das professoras que trabalharam com a disciplina Alfabetização I, foi realizado um debate em pequenos grupos em sala sobre o sentido e o significado que cada aluno atribuiu à sua experiência com a leitura e a escrita. Os alunos identificaram muitos obstáculos em relação à sua história pessoal com a leitura e a escrita e a dificuldade que sentem ao desenvolver a leitura e a escrita, mesmo depois de alfabetizados. A importância da leitura e da escrita foi aprofundada na disciplina "Alfabetização I". As professoras que ministraram essa disciplina buscaram situar, sob o aspecto histórico-filosófico, o nascimento e o desenvolvimento da escrita. Começou questionando o conceito de "analfabeto" como sendo o estado ou a condição de ser analfabeto, como privação de algo. Mostrou que essa concepção serviu para justificar e legitimar a exclusão das pessoas, principalmente os sujeitos do campo. Avançando um pouco mais, a professora afirmou que alfabetização é a ação de alfabetizar, aprender a ler e a escrever as letras do alfabeto. Para além da dimensão mecânica da alfabetização, destacaram-se as dimensões de compreensão e expressão de significados, de sentidos. A própria história do MST é rica de experiências nesse sentido, de compreender a alfabetização num contexto social, histórico, político e econômico. O MST, como vimos nos primeiros capítulos deste trabalho, ao lutar contra as cercas do latifúndio, da ignorância e do capital, ensina-nos um novo modo de ler e escrever o mundo. Assim podemos ler no Caderno de Educação nº 11 do MST (2003, p. 34) que traz como tema: Educação de Jovens e Adultos:
Alfabetizar no MST está relacionado à construção de significados coletivos para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo; alfabetização é construção de significados, tanto pela pessoa que aprende como pelo sujeito coletivo, o Movimento. Sempre que os Sem Terra aparecem na mídia, aparecem fazendo; cortando a cerca do latifúndio, da ignorância, empunhando a bandeira, entoando canções que denunciam as injustiças e anunciam um novo projeto de desenvolvimento, e dizendo palavras de ordem que indicam firmeza na luta. Estas ações precisam ser consideradas na alfabetização.

Portanto, ensinar a ler e a escrever é muito mais que um desenvolvimento de habilidades motoras. Para o MST não basta o domínio do código da escrita e da leitura de nosso idioma. A concepção de alfabetização do Movimento que se faz presente no Curso Pedagogia da Terra é aquela que está intimamente ligada a um processo de educação/formação do ser humano: alfabetizar é mais que alfabetizar; é educar-se, fazer-se humano. Há um vínculo entre educação, formação e alfabetização. Dessa forma, podemos estabelecer uma relação com o conceito de alfabetização do MST, com as reflexões desenvolvidas por Wanderley (1984) e Paiva (1987) sobre o MEB, desenvolvidas no segundo capítulo deste trabalho. Para esses autores, o MEB tinha como objetivo oferecer à população rural oportunidade de alfabetização num contexto mais amplo de educação de base, buscando ajudar na promoção do homem rural e em sua preparação para a participação na vida social, econômica, cultural e política do país, por meio da conscientização. Considerando a formação integral da pessoa, o MEB buscava construir uma educação que levasse em consideração a realidade dos oprimidos, seus valores, sua cultura e sua identidade. Para isso utilizou-se do método de alfabetização proposto por Freire (1970), que partia do levantamento vocabular, da escolha das palavras geradoras e da criação de situações existenciais dos alunos. A professora fez uma exposição para os alunos sobre as duas correntes da psicologia que tem explicado o desenvolvimento da escrita: a psicologia sócio-histórico-cultural e a perspectiva construtivista.
Em seguida falou sobre o pensamento de Vygotsky (1984) em relação ao processo de desenvolvimento da leitura e da escrita. Nesse sentido, passo a relatar algumas anotações que realizei no diário de campo. A professora procurou explicar que compreender a questão da "mediação", que caracteriza a relação do homem com o mundo e com os outros homens é de fundamental importância, porque mediante esse processo, as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, desenvolvem-se.
Existem dois processos básicos responsáveis para que essa mediação se efetive: o instrumento, que tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo, que regula as ações sobre o psiquismo das pessoas. Vygotsky (1984) atribui enorme importância ao papel da interação social no desenvolvimento do ser humano. Uma das mais significativas contribuições das teses que formulou está na tentativa de explicar como o processo de desenvolvimento é socialmente construído. O comportamento da criança recebe influências dos costumes e objetos de sua cultura. Por meio da ajuda do adulto, as crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas pela história social ao longo de milênios: ela aprende a sentar, a andar, a controlar os objetos, a falar, a sentar-se à mesa, a comer com talheres, a tomar líquidos em copos etc.
Assim sendo, o desenvolvimento do sujeito humano se dá a começar das constantes interações com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social. O aprendizado da escrita, como produto cultural construído ao longo da história da humanidade, é um processo bastante complexo:
A complexidade deste processo está associada ao fato de a escrita ser um sistema de representação da realidade extremamente sofisticado, que se constitui num conjunto de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada: no entanto, gradualmente essa via é reduzida, abreviada, e a linguagem falada desaparece como elo intermediário. (Vygotsky,1984, p.131)

Dessa forma, o aprendizado da linguagem escrita envolve a elaboração de todo um sistema de representação simbólica da realidade. Em outras palavras, essas atividades contribuem para o desenvolvimento da representação simbólica (em que signos representam significados) e, conseqüentemente, para o processo de aquisição da linguagem escrita. Aprender a linguagem escrita é produzir cultura, bem como se apropriar da cultura produzida historicamente pela humanidade. Assim, o trabalho com a linguagem na alfabetização deve estar articulado com as experiências culturais dos sujeitos do campo e, no caso específico do Curso Pedagogia da Terra, com as experiências dos professores sem-terra.
Como síntese das observações realizadas no diário de campo do pesquisador, podemos dizer que são, nas diferentes experiências culturais das crianças, dos adolescentes, jovens, adultos e dos sujeitos do campo, ou seja, nas formas de trabalho, na organização da vida das famílias, na mística, na cooperação, na comunicação, nas relações de gênero dos (as) educandos (as), que a alfabetização precisa inspirar-se para o trabalho com a linguagem escrita. Alfabetizar no MST e para os professores que fazem o Curso Pedagogia da Terra está relacionado com a construção de significados coletivos na luta em prol do fortalecimento da educação do campo, uma educação que considere a realidade, os saberes e as experiências dos sujeitos que vivem no e do campo. Nesse sentido, a aprendizagem dos processos, métodos e conteúdos da alfabetização devem permitir aos professores sem-terra desenvolver melhor o seu trabalho nas escolas dos assentamentos. Formar os professores sem-terra para que dominem o processo de ensinar uma criança a ler e a escrever tem uma dimensão libertadora, em pelo menos, dois sentidos: pedagógico e político. Pedagógico, porque os sujeitos sem-terra (crianças, adolescentes, jovens, anciãos) adquirem a capacidade de escrever e ler, o que é fundamental numa sociedade como a nossa, em que a cultura letrada está presente em todos os espaços e tempos da vida social e cultural para recuperar seus valores, a própria cultura, como camponês e, de sua dignidade e identidade, na condição de sem-terra. Político, porque é, pela escrita e leitura, que esses mesmos sujeitos podem desenvolver uma consciência crítica a respeito da sociedade em que vivem e potencializar ações coletivas em prol da luta por políticas públicas que contemplem a construção coletiva de uma educação comprometida com os anseios e as necessidades dos sujeitos do campo.
4.11 O ESPAÇO-TEMPO-SABER MÍSTICA: A UTOPIA DE UMA PEDAGOGIA LIBERTADORA

O dia começou com a Mística em que os (as) alunos (as) da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra, por meio de cantos e músicas, hastearam a bandeira do MST e marcharam em direção à conquista da terra. Estamos usando o conceito de mística no sentido atribuído por Boff (1999) como o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e os movimentos na vontade de mudanças ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou que sustentam a esperança em face dos fracassos. Durante a marcha houve um confronto com os capangas do fazendeiro, levando à morte dezenove sem-terra. A turma, neste momento, faz memória do confronto entre fazendeiros e sem-terra ocorrido no Pará (Eldorado dos Carajás), no dia 17 de abril de 1996 em que morreram dezenove sem-terra. Entre os feridos estavam sessenta e nove sem-terra e doze policiais militares. A data se converteu num símbolo da luta pela terra. Essa vivência foi carregada de significados e emoções relembrando a morte dos companheiros sem-terra. Os alunos tornaram presente simbolicamente a histórica luta dos sem-terra por uma sociedade justa e fraterna. Utilizo o termo vivência em oposição ao encenação.
A vivência não deve ser confundida com uma encenação ou apresentação teatral, não é esse o caráter da mística; ela se propõe a ser muito mais profunda e complexa que uma apresentação teatral, pois, sendo a tradução de uma utopia determinada, ela objetiva mexer com os sentimentos e certezas das pessoas diante do mundo em que elas vivem e não simplesmente retratar um fato diretamente como ele é. Além disso, em uma encenação teatral, o ator que está em cena pode dramatizar uma realidade que revele valores, princípios e desejos em que ele necessariamente não acredita, e assume como seus na vida real. Por isso, na mística não são simplesmente as palavras que tocam as pessoas, não é o discurso por mais bonito e racional que seja que mobiliza o coletivo; o que traz a lágrima aos olhos ou o sorriso esperançoso nos lábios, o que toca o coração e acende a chama da esperança é muito mais forte do que as simples palavras. Nesse sentido, a mística possui uma dimensão profundamente pedagógica libertadora e formadora e se constitui em um espaço-tempo-saber fundamental no movimento de formação do professor sem-terra. Segundo Medeiros (2001, p. 12):
Ao dramatizar a vida dos Sem Terra – as lutas travadas, a repressão sofrida e as vitórias conquistadas – e permitir o resgate da memória do próprio MST e a reflexão coletiva e individual sobre o seu cotidiano, de forma simples e criativa, a mística faz do real, do dia-a-dia, da história dos trabalhadores e do povo oprimido, um conteúdo possível de ser revisto criticamente por esses trabalhadores, possibilitando-os e estimulando-os questionamentos capazes de lhes conduzir à percepção de si também como sujeitos dos acontecimentos que lhes rodeiam, por vezes como vítimas da opressão, em outras como reprodutores dela, mas acima de tudo como possuidores da capacidade de transformação destas situações.

A mística nessa perspectiva pode ser pensada e compreendida num sentido libertador e formador do professor sem-terra, estando em relação direta com as matrizes pedagógicas da educação do campo, trabalhadas no terceiro capítulo da dissertação, tais como: a matriz pedagógica da luta social e a matriz pedagógica da cultura. De acordo com Caldart e Cerioli (1999), é, por meio da mística, que o MST celebra a própria memória. O que educa os sem-terra é o próprio movimento da luta em suas contradições, enfrentamentos, conquistas e derrotas.
As matrizes pedagógicas da luta social e da cultura (e a mística é um instrumento delas) educam para uma postura diante da vida que é fundamental para a identidade de um lutador do povo: nada é impossível de mudar e, quanto mais inconformada com a degradação e a exclusão do ser humano, mais humana é a pessoa. A mística com toda sua potencialidade pedagógica coloca-se como instrumento fundamental no processo de formação do professor sem-terra e constitui-se em um espaço-tempo-saber presente em todos os momentos do Curso Pedagogia da Terra.
No contexto do Curso Pedagogia da Terra, diante da reflexão que foi construída, podemos afirmar que a mística fertiliza todos os espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra, isto é, no contexto da sala de aula com o objetivo de estimular a criatividade dos educandos; de recuperar a memória dos fatos históricos estudados ou vividos; de contribuir para o processo de socialização, avaliação e auto-avaliação dos educandos e educadores; de humanizar e democratizar as relações pedagógicas. Nesse sentido, podemos afirmar que a mística contribui para o fortalecimento da educação do campo.
Ela potencializa a vivência, a reflexão e o estudo de questões relacionadas com a luta pela terra, com a luta por uma educação do campo e com a construção de valores humanistas, integra em si mesma as várias dimensões do processo de formação humana explicitadas pelo MST mediante os princípios filosóficos e pedagógicos do MST, entre eles: educação para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com e para valores humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e transformação humana. Este é o horizonte que define o caráter da educação do MST; um processo de educação que se assume como político, que se vincula organicamente com os processos sociais que visam à transformação da sociedade atual e à construção de uma nova sociedade fundada na justiça, na radicalidade democrática e nos valores humanistas e socialistas. Para isso é fundamental uma formação que supere os valores dominantes da sociedade capitalista, centrada no individualismo e no lucro desenfreados.
Em alguns momentos da mística desenvolvida nas etapas do Curso Pedagogia da Terra vivenciamos com os alunos e professores a possibilidade de construir novos valores que coloquem no centro dos processos de transformação da pessoa humana a sua liberdade, mas não como indivíduo isolado, e sim como ser de relações sociais que visem à produção e à apropriação desses bens e à igualdade na participação de todos nesses processos. Entre os (as) alunos (as) da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra, esse tipo de sentimento reflete uma forte relação de pertença ao MST, que resulta não só do período vivenciado nas etapas do Curso, mas também de toda a trajetória que cada um percorreu dentro do Movimento. Esse sentimento se expressa de diferentes formas, no amor e respeito aos símbolos, ideais, princípios do MST e no compromisso com a causa pela qual dedicam suas vidas: a transformação de todas as estruturas capitalistas que escravizam e oprimem o ser humano, em especial o homem do campo.
4.12 O ESPAÇO-TEMPO-SABER TRABALHO PRODUTIVO
A mudança na base tecnológica do processo produtivo traz novos desafios para a compreensão das relações entre trabalho e educação no conjunto das relações sociais. Nesse sentido Frigotto (1984) elabora, de forma bastante contundente, uma crítica à concepção de que o avanço da tecnologia corresponde à melhoria generalizada das condições de vida e da qualidade de vida. Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, no Brasil, por exemplo, o avanço científico e tecnológico veloz não significou a universalização da melhoria das condições de vida, tais como emprego, moradia, saúde, alimentação e educação, para a maioria dos brasileiros.
A terceira revolução industrial se caracteriza por uma velocidade e descontinuidade brutal no processo tecnológico, na escala da produção, na organização do processo produtivo, na centralização do capital, na organização do processo de trabalho e na qualificação dos trabalhadores. Essa revolução é marcada pela robótica, informática, microeletrônica e máquinas de comando numérico, biotecnologia e produção de sintéticos. A tecnologia passa a ser matéria prima por excelência.
Trata-se de uma revolução tecnológica que possibilita a organização da produção de forma, autocontrolável e auto-ajustável mediante processos informatizados, robotizados e um sistema eletrônico. Como fica, por exemplo, a questão do trabalho na terra, nesta nova etapa da reconfiguração do capitalismo mundial? Como pensar o trabalho do camponês nesse quadro de novas tecnologias e do agronegócio? Como esse novo aparato científico-tecnológico pode contribuir para potencializar o trabalho do camponês, auxiliando-o na produção de uma agricultura familiar e na construção do desenvolvimento sustentável? No MST o trabalho produtivo está voltado para a satisfação das necessidades dos assentados e para o fortalecimento da agricultura familiar:
A produção deverá levar em conta a combinação das necessidades básicas de alimentação das famílias assentadas, ou seja, cada assentado deve ter no seu lote ou no coletivo, várias espécies de frutas e verduras que são cultivadas em diferentes épocas do ano. Vários tipos de cereais que são necessários à alimentação humana e também animais e aves que garantem a carne, leite, queijo, banha, ovos etc. Essas atividades que terão o objetivo de produção e industrialização para abastecimento do mercado local e regional. Devemos discutir também os aspectos ambientais e tecnológicos da produção pretendida. Assim ganha importância o planejamento das áreas de reservas existentes, das fontes de água, das matas ciliares (MST: Construindo o Caminho, 2001, p. 87).


Nesses vinte anos de organização e de lutas, o MST vem ajudando a construir um novo projeto de desenvolvimento rural em sintonia com as necessidades e os interesses sociais dos trabalhadores do campo e da cidade. O espaço-tempo-saber trabalho produtivo, presente no movimento de formação do professor sem-terra, não deixa de considerar a questão da luta pela Reforma Agrária e os desafios para a implementação de novas relações de produção no campo e na cidade. Para o MST, nessa perspectiva, uma educação voltada para a realidade do campo é aquela que ajuda a solucionar os problemas que vão aparecendo no dia-a-dia dos assentamentos e dos acampamentos, que forma os trabalhadores e as trabalhadoras para o trabalho no campo, ajudando a construir reais alternativas de permanência e enraizamento dos sujeitos no campo e a melhorar a qualidade de vida da população campesina. Assim, pode-se afirmar que o conceito de trabalho no Curso Pedagogia da Terra busca desenvolver as potencialidades, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem no e do campo. Esse significado assemelha-se ao utilizado por Frigotto (1984) quando concebe o trabalho na perspectiva de um modo humano de existência, constituindo-se como princípio educativo na construção da sociedade socialista e comunista. O trabalho aparece aqui, na sua dimensão positiva, como manifestação da vida, como forma de os homens se apropriarem do mundo e transformarem o mundo da natureza em si mesmos, em seu devir.
No Curso Pedagogia da Terra, o trabalho refere-se às diversas atividades práticas realizadas pelas equipes e setores que se fazem presentes no cotidiano do processo de formação do professor sem-terra. A concepção de trabalho, como uma atividade humana no processo de transformação da natureza e, conseqüentemente, na recriação de novas relações sociais, remete-nos, como vimos no terceiro capítulo desta dissertação, à luta do MST para criar novas relações de produção e de convivência entre os seres humanos. Nesse sentido, o trabalho se converte em um espaço-tempo-saber fundamental no processo de formação do professor sem-terra. Na percepção de um dos alunos da segunda turma do curso:
O trabalho, principalmente o trabalho coletivo, tem uma dimensão educativa. Então você vê que aqui a gente tenta fazer justamente o que Marx chama de práxis. A gente tenta unir essas duas coisas tanto o pedagógico quanto o político. Na divisão das tarefas, por exemplo, a gente tenta quebrar o machismo e coloca a questão do gênero onde o homem não está limitado só a algumas tarefas, mas todas as tarefas nós somos capazes de fazer e a mesma coisa com as mulheres, muitas tarefas que no dia a dia no seu cotidiano normal não se acham aptas a fazer, aqui a gente tenta colocar em prática; você está vendo que tem mulheres aí trabalhando em construção, com a parte elétrica. E também na nossa forma de organização, você vê quando a gente tem que tomar uma decisão, a gente faz uma reunião para discutir; estamos sempre fazendo aquele processo democrático onde todos participam. O espaço tempo produtivo coletivo é um espaço político que estamos desenvolvendo!

Nesse sentido, o trabalho adquire uma dimensão importante na formação dos professores sem-terra. Nas relações capitalistas, trabalhamos para viver, para produzir um meio de vida, mas nosso trabalho não é vida em si, porquanto se trata de uma atividade imposta por uma necessidade externa, a necessidade do capital. Para superar essa alienação, Frigotto (1991) retoma o conceito de politecnia. Os elementos básicos do conceito de politecnia são: a concepção de homem omnilateral; o trabalho produtivo e a articulação entre trabalho manual e intelectual e as bases científico-técnicas. A concepção de omnilateralidade do homem centra-se na apreensão do homem como uma totalidade histórica que é, natureza, individualidade e, sobretudo, relação social. Uma unidade na diversidade física, psíquica e social; um ser de necessidades em cuja satisfação se funda sua possibilidade de crescimento em outras esferas. O MST, por meio do Curso Pedagogia da Terra, põe em movimento uma prática de educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana:
O que poderíamos dizer usando uma expressão mais curta: educação onilateral. A palavra onilateral vem de Marx, que usava a expressão "desenvolvimento onilateral do ser humano", para chamar a atenção de que uma práxis educativa revolucionária deveria dar conta de reintegrar as diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar. Ou seja, uma educação onilateral se opõe a uma educação unilateral, que se preocupa só com um lado de cada vez; só o intelecto, ou só as habilidades manuais, ou só os aspectos morais, ou só os políticos (MST – Caderno de Educação n.8).


Estamos defendendo então que o conceito de trabalho no Curso Pedagogia da Terra está estreitamente ligado ao de formação humana e esta sendo entendido numa perspectiva onilateral. Nesse sentido, queremos destacar algumas dimensões principais: a formação político-ideológica; a formação técnico-profissional; a formação do caráter ou moral e a formação cultural e estética. Como vimos, na matriz pedagógica da terra, por meio do trabalho, o MST põe em movimento uma das dimensões fundamentais do processo de formação do professor sem-terra. Assim como para o MST não é possível pensar a terra sem aqueles que nela trabalham, também para o Curso Pedagogia da Terra não é possível pensar o processo de formação do professor sem-terra sem o espaço-tempo-saber trabalho produtivo. O professor sem-terra é um camponês e trabalhador que vive na e da terra, traz para o curso toda uma experiência de luta, de cuidado, de resistência e pertença à terra. O Curso Pedagogia da Terra, ao valorizar as experiências e conhecimentos advindos da realidade dos professores do MST e potencializá-los, por meio dos diversos trabalhos práticos realizados durante as suas diferentes etapas, permite aos professores fazer a integração entre os conhecimentos teóricos obtidos no curso e a realidade dos assentamentos, bem como fortalece o sentido de enraizamento dos professores sem-terra com a própria terra. Como afirma Caldart (2000), trabalhar na terra, plantar a semente, molhar a terra e adubar a semente significa que as coisas não nascem prontas, que precisam de cuidado. Assim o trabalho no Curso Pedagogia da Terra traz a própria marca do MST como movimento social que luta pela terra, que trabalha na terra e vive na e da terra. Não seria possível pensarmos o processo de formação do professor sem-terra sem a dimensão do trabalho.
Os trabalhos práticos realizados durante as etapas do Curso Pedagogia da Terra situam-se no rompimento do trabalho na lógica do capitalismo. No capitalismo os frutos do trabalho são apropriados de forma particular, gerando o lucro de alguns e a miséria de muitos; a divisão social do trabalho se fundamenta na competição e no individualismo; os meios de produção se encontram em poder de uma única classe. No Curso Pedagogia da Terra, a concepção de trabalho e sua realização situam-se em uma outra lógica: os frutos do trabalho são repartidos igualmente entre todos e todos indistintamente se beneficiam dele, não havendo nem ricos nem pobres, mas seres humanos satisfeitos em suas necessidades vitais; a divisão do trabalho obedece à lógica da cooperação e da solidariedade; o curso também busca superar o machismo nas relações de trabalho, valorizando a participação da mulher em todas as tarefas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo procurou compreender como se desenvolve o processo de formação do professor sem-terra. A investigação centrou-se basicamente na análise de documentos, entrevistas e na participação em algumas etapas do curso. Nesse sentido cabe destacar a importância que teve para o desenvolvimento da pesquisa e para o crescimento pessoal do pesquisador a participação efetiva em algumas etapas do Curso Pedagogia da Terra. O pesquisador então buscou uma aproximação intelectual e afetiva com o tema a ser investigado. A leitura de obras referentes ao MST ajudou-me a conhecer melhor o Movimento e a compreender com a mente e o coração a sua nobre luta: a luta pela terra. Assim ressaltamos duas contribuições importantes: a primeira consiste em mostrar como a luta pela terra é bem mais antiga que o MST; e a segunda, em perceber que é na luta pela terra que surge a luta por uma educação do campo, não sendo possível compreender a luta pela educação dissociada de uma luta maior que é a luta pela terra. Essa questão foi trabalhada no primeiro capítulo, no qual procuramos, com a ajuda de Fernandes (2000), Martins (1999), Dias (1984) e outros interlocotores, identificar na história do Brasil os movimentos que antecederam o MST na luta pela terra e nela, por diginidade.
A luta dos movimentos sociais, e em especial do MST por uma educação do campo, só tem sentido se for compreendida mediante a perspectiva de valorização da cultura, dos saberes e da identidade dos sujeitos que vivem, trabalham e se educam no campo. Dessa forma, podemos afirmar, como contribuição importante, que a pesquisa traz para a nossa reflexão e que foi objeto de discussão neste trabalho nos capítulos dois e três: a questão de que não é possível entender a luta por uma educação do campo dissociada de uma luta maior, a luta de todos por uma educação de qualidade que tenha presentes em seus objetivos, conteúdos e metodologia, os saberes, a cultura e a identidade dos que vivem no campo e na cidade.

O Curso Pedagogia da Terra surgiu como uma necessidade de os professores sem-terra se qualificarem e de o próprio MST garantir uma educação de qualidade e diferenciada para os sujeitos que vivem no e do campo. A luta que o Movimento assumiu, quando decidiu reivindicar a formação superior em pedagogia, era possibilitar aos jovens, homens e mulheres que vivem do trabalho do campo, o acesso a uma formação acadêmica que leve em consideração as peculiaridades e a realidade dos sujeitos que vivem no e do campo; pensar uma educação que não fosse simplesmente um transplante da educação urbana.
As discussões feitas, nos capítulos terceiro e quarto do trabalho com base em Caldart (2000), Foerste (2004, 2005), apontam-nos para uma questão que emerge como um ganho importante tanto para O MST quanto para a Universidade, que se traduziu na parceria entre PRONERA/MST/UFES. A prática da parceria introduz uma dinâmica que favorece a construção coletiva de uma nova política de profissionalização do magistério em cuja base se evidenciam possibilidades concretas para a superação da racionalidade técnica que tem determinado a dinâmica curricular dos cursos das mais diferentes áreas do conhecimento na Universidade, entre elas, a Licenciatura.
Conforme as análises realizadas por Foerste (2004), podemos afirmar que a cooperação do INCRA, do MST e da UFES favoreceu o incremento da interinstitucionalidade e a introdução de práticas dialogadas, num terreno em que a academia reconhecidamente necessita ampliar interlocuções, trabalhando com parcerias de diferentes segmentos da organização social. Para o INCRA, a parceria entre a Universidade e MST, por meio do Curso de Pedagogia da Terra, constitui-se num ganho importante para consolidar o processo de assentamentos rurais no país. A educação é um dos pilares fundamentais para que os assentados se coloquem num amplo movimento pela produção da subsistência e da agricultura familiar sustentável. Um projeto interinstitucional como este, viabilizado pelo PRONERA, inaugura uma nova fase dos trabalhos no INCRA e no MST, quanto à educação do campo.
A parceria tem possibilitado negociações que estimulam reflexões que vão além das dimensões técnicas das políticas oficiais para o campo, coordenadas pelo INCRA. Simultaneamente, o MST está percebendo que a implementação de políticas públicas de educação nos assentamentos implica uma abertura por parte do Setor de Educação para dialogar e trabalhar com outros movimentos organizados do campo, por exemplo, o Movimento dos Pequenos Agricultores, as Escolas Comunitárias Rurais e as Escolas Família Agrícola. Na perspectiva da Universidade, podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra vem possibilitando incursões teórico-práticas na formação de profissionais do ensino para atuarem em projetos educacionais em assentamentos rurais. As experiências decorrentes da parceria da Universidade com os Movimentos Sociais em especial o MST, podem fortalecer projetos em andamento e/ou possibilitar múltiplas, e quem sabe, alternativas inovadoras de trabalho.
Reconhecemos que a Universidade tem uma função social a cumprir e que, apesar de historicamente estar a serviço das classes dominantes, a parceria com os movimentos sociais como o MST, abre novos horizontes para dar oportunidades àqueles que sempre estiveram excluídos do acesso ao saber e, portanto, do exercício da cidadania plena. Nesse sentido, o Curso Pedagogia da Terra nos ajuda a pensar no papel que tem a Universidade como o lócus da formação do professor, ao mesmo tempo que questiona a fragilidade teórico-prática dos cursos de formação de professores na universidade pela inexistência de uma política interinstitucional de profissionalização do magistério, construída coletivamente pelos profissionais da educação (Foerste, 1998, 2002, 2004, 2005).
A pesquisa contribuiu, principalmente nas questões discutidas no último capítulo, através das vozes dos sujeitos pesquisados (alunos e professores da Segunda Turma do Curso Pedagogia da Terra), a perceber que ainda falta abertura e vontade política por parte da Universidade para incrementar programas de parceria que possibilitem a introdução e valorização nos cursos de licenciatura de novos sujeitos, novos saberes e novos espaços-tempos de formação, possibilitados por uma cultura de colaboração e solidariedade entre os diferentes movimentos sociais interessados na formação do professor e na construção de uma educação de qualidade para todos. Nesse sentido, o Curso Pedagogia da Terra, favorece discussões coletivas que contribuem para repensarmos os cursos de licenciaturas de um modo geral e para a retomada da profissão docente. A cultura do trabalho coletivo, que mobiliza os professores de assentamentos para a construção de um novo projeto de educação no e do campo (Caldart, 2002; Molina, 2002; Foerste, 2004), desafia a academia a deixar que os cursos de licenciatura repensem na sua essência, com a introdução e valorização de novos sujeitos, novos saberes e novos espaços-tempos no processo de socialização da profissão docente. Isso significa dizer que a formação do professor necessita de maior articulação com o contexto social e com os movimentos sociais. Que saberes os movimentos sociais estão construindo quando exigem que o Estado cumpra sua função de garantir uma educação de qualidade para todos? O que nós, professores e a Universidade, podemos aprender com o MST na luta contra o latifúndio da terra e do saber?
Nesse sentido, a parceria entre PRONERA/UFES/MST para ofertar o Curso Pedagogia da Terra impulsiona novos olhares sobre o processo de formação inicial e continuada de professores. Como o trabalho coletivo pode contribuir para o engajamento em atividades de ensino-pesquisa-extensão na perspectiva do compromisso social, nas lutas dos oprimidos pela reconquista da cidadania e respeito às diferenças étnicas, religiosas e de gênero? Por meio desse tipo de trabalho coletivo, criam-se algumas condições que, sem dúvida, possibilitam inovações, trazendo benefícios a diferentes movimentos organizados da sociedade nas lutas por uma educação pública de qualidade. Desse modo, as discussões feitas no terceiro capítulo deste trabalho, com a contribuição do movimento nacional de luta por uma educação do campo, ajudaram-nos a compreender o PRONERA não como política pública compensatória, embora esteja inserido na lógica das atuais políticas sociais do neoliberalismo, pois supera e contradiz essa perspectiva na medida em que é uma conquista da luta dos movimentos sociais do campo, cuja participação do MST é fundamental. Trata-se, pois, de uma política pública de educação já que foi a participação popular que a originou e a desenvolveu, ou seja, sujeitos coletivamente organizados que exigiram o direito a uma educação de qualidade que esteja em sintonia com a realidade do campo. A luta por uma educação de qualidade é um direito dos sujeitos do campo e um dever do Estado. O Estado deve oferecer uma educação pública de qualidade na qual os grupos sociais em desvantagem no campo sejam autores, que tenham sua experiência social como ponto de partida, seus valores, sua cultura e sua identidade reconhecida e valorizada. Disso decorre uma questão fundamental que a pesquisa nos ajuda a pensar: a educação do campo não é uma doação que o poder público faz aos sujeitos do campo; nem é algo que os sujeitos do campo recebem pronto do Estado; a educação do campo não está pronta; os sujeitos sociais do campo estão construindo-a por meio de suas lutas, de sua cultura, de seus valores e do seu amor à terra, à educação do campo, uma educação que tenha a sua "cara", e a sua identidade de sem-terra.
Outro grande achado da pesquisa diz respeito ao Curso Pedagogia da Terra, à particularidade que o constitui na condição de um projeto de formação de professores de assentamentos. Criam-se algumas condições que favorecem a visualização de uma nova perspectiva para a profissão docente. Trata-se de um novo éthos profissional do professor, fundamentado no trabalho coletivo solidário e colaborativo dos sem-terra e dos segmentos oprimidos da sociedade, em suas lutas permanentes pela conquista dos direitos sociais como o direito à terra, à moradia, ao saneamento básico, à saúde, etc., na perspectiva de uma sociedade justa e solidária.
Em relação ao processo de formação que se dá no Curso Pedagogia da Terra, podemos considerar como uma contribuição importante que a pesquisa traz: pensar o MST como sujeito coletivo que educa os professores sem-terra e que se faz presente no ambiente educativo do curso. Nesse sentido, podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra tem uma estrutura organizativa semelhante àquela que os alunos (professores sem-terra) encontram nos assentamentos do MST. Não são somente as aulas, os conteúdos das diferentes disciplinas, os professores da UFES com sua experiência e conhecimentos que educam e formam os professores sem-terra. O que fundamentalmente educa e forma os professores sem-terra é o próprio MST na medida em que se faz presente nos espaços-tempos-saberes do curso por meio dos símbolos, das frases, dos cartazes, das palavras de ordem, da mística e dos próprios professores sem-terra. Nesse sentido, podemos perguntar: Quem educa e forma os professores sem-terra? É o MST um sujeito coletivo educativo? Outra contribuição que a pesquisa traz diz respeito às principais matrizes pedagógicas, no sentido de processos educativos básicos que possibilitam a formação dos professores sem-terra e o fortalecimento da educação do campo: a matriz pedagógica da luta social; a matriz pedagógica da organização coletiva; a matriz pedagógica da terra e a matriz pedagógica da cultura. Essas matrizes se manifestam na forma como os alunos do curso realizam as tarefas; no empenho, na organização, nas celebrações (mística), na vontade de aprender novos conhecimentos, na ajuda mútua, no trabalho coletivo, no senso de justiça e bem querer ao próximo.
Como vimos no último capítulo da dissertação, o Curso Pedagogia da Terra coloca em movimento uma pedagogia libertadora, (Freire, 1970; Caldart, 2000) na medida em que contesta, inconforma-se com a injustiça e luta por uma nova sociedade e um novo ser humano. Um dos achados importantes da pesquisa que ajuda a compreender melhor o processo de formação dos professores sem-terra foram os espaços-tempos-saberes do curso. O espaço-tempo-saber aula formado com base nos conteúdos ministrados pelos professores das diferentes disciplinas que compõem a grade curricular do curso (currículo prescrito) e de conhecimentos e experiências (currículo vivido) que os próprios alunos do MST trazem da realidade dos assentamentos.
Como vimos no desenvolvimento da pesquisa, e em particular no último capítulo, o Curso ainda carece de uma maior integração e intercâmbio entre os saberes da academia e os saberes oriundos da realidade dos alunos (Foerste, 2004) para um maior comprometimento com a construção de uma educação do campo. O espaço-tempo-saber mística se faz presente em todos os momentos formativos do Curso Pedagogia da Terra: nas falas dos alunos, nos símbolos do MST nas noites culturais, nas apresentações dos trabalhos em sala de aula. Nesse sentido, podemos afirmar que a mística constitui um dos espaços-tempos-saberes fundamentais do processo de formação do professor sem-terra buscando estimular a criatividade dos educandos na reconquista da memória histórica; no sentimento de pertença e enraizamento ao MST e na socialização e democratização das relações entre professores e alunos em sala de aula. Então podemos perguntar: como pensar a relação entre mística, memória, MST e o Curso Pedagogia da Terra? Que papel tem a mística para a recuperação dos valores, dos saberes, da cultura e da identidade dos professores sem-terra? Como a mística ajuda na formação dos professores sem-terra para que assumam as causas dos lutadores do povo? Como vimos no último capítulo da dissertação, a mística possibilita aos alunos e professores a vivência, a reflexão e o estudo de questões relacionadas à luta pela terra e à luta por uma educação comprometida com os valores, a cultura, os saberes e a identidade dos sujeitos do campo. Em síntese, a mística demarca bem o horizonte de educação no Curso Pedagogia da Terra: um processo de educação que se assume como político, que se vincula organicamente com os processos sociais que visam à transformação da sociedade atual e à construção de novas relações entre os seres humanos, alicerçadas na justiça social.
O espaço-tempo-saber trabalho produtivo, discutido no último capítulo dissertação, diz respeito aos trabalhos realizados pelos alunos durante as etapas do curso e situam-se na superação do trabalho ao aspecto do capitalismo contribuindo na formação onilateral (Frigotto, 1991) do professor sem-terra. No capitalismo, os frutos do trabalho são apropriados de forma particular, gerando o lucro de alguns e a miséria de muitos; no Curso Pedagogia da Terra, os frutos do trabalho são repartidos igualmente entre todos e todos indistintamente se beneficiam deles, não havendo necessitados entre eles. Nesse sentido, podemos perguntar: Como esse espaço-tempo-saber trabalho produtivo potencializa novas relações entre os seres humanos, fundadas na justiça e na solidariedade? Que importância tem o trabalho para o MST? Como o trabalho pode converter-se em espaço-tempo-saber de realização do ser humano superando a alienação imposta pelo sistema capitalista?
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