segunda-feira, 14 de maio de 2007

INTRODUÇÃO DA DISSERTAÇÃO

INTRODUÇÃO

Origem do Tema
Certa vez alguém afirmou que toda busca que fazemos por conhecer algo ou alguma coisa é no fundo uma tentativa de conhecer a nós mesmos. Estou aqui a pensar o que isso tem que ver com o tema que estou investigando e com a minha história de vida. Em que momentos os dois se encontram e percorrem juntos essa jornada? Comecemos destacando alguns acontecimentos que marcaram a vida do sujeito pesquisador e que contribuíram para que chegasse ao tema da pesquisa.
Alguns acontecimentos importantes em minha história pessoal foram formando o meu modo de ser e de estar no mundo, com minhas opções e valores. O fato de ter nascido numa família pequena e empobrecida fez que desde muito cedo experimentasse o drama da luta pela sobrevivência como tantos trabalhadores urbanos e rurais. Meus pais, como muitos sem-terra, foram expulsos da roça e vieram para a cidade engrossar as fileiras dos desempregados. A entrada no Seminário da Diocese de São Mateus para cursar Filosofia e Teologia também foi um momento importante nessa caminhada. No seminário pude desenvolver, de forma mais intensa, os valores humanos e cristãos em que fui educado. Por meio da participação na vida de oração, na comunidade e nos trabalhos pastorais.
O curso de Filosofia possibilitou-me o contato com uma gama de pensadores e correntes filosóficas que ajudaram a abrir meus horizontes e alargar minha compreensão da sociedade e do ser humano. O contato e o conhecimento da Filosofia e Teologia da Libertação (TdL) foi outro marco importante nessa minha caminhada. Fizeram-me repensar a minha vocação e a minha fé.
A Filosofia e a Teologia da Libertação surgem a partir da reflexão que intelectuais como Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez e Enrique Dussel desenvolvem, buscando pensar a Filosofia e a própria Teologia fundamentada na realidade do oprimido, e não na do opressor. A Teologia da Libertação surge na década de 60 como resultado de uma práxis de uma Igreja que opta preferencial e solidariamente pelos empobrecidos.
A questão de fundo que perpassa a Teologia da Libertação consiste em pensar e viver a fé encarnada num contexto de opressão e dominação como o é a América Latina objetivando uma práxis libertadora. A grande inspiração que está presente na Teologia da Libertação é buscar relacionar a libertação (social e econômica) com e sobre a salvação, a práxis com e sobre a fé. Procurar estabelecer uma relação entre o Mistério de Deus e a história dos homens. Sua pergunta fundamental é: o que é Deus para um continente empobrecido como a América Latina? Como Deus se revela aos oprimidos? O que é ser cristão num mundo de famintos?
Podemos sintetizar em alguns pontos a contribuição que a Teologia da Libertação deu para repensar a relação fé e vida: lembrar à Igreja o sofrimento dos pobres e a interpelação que lhe lançam à conversão e à solidariedade; elaborou teoricamente a refutação prática da religião como ópio, mostrando que, nas Igrejas da América Latina, ela é e deve ser fermento de justiça; propôs a concepção de uma religião profética, superando a idéia de uma religião mistificadora e consagradora da injustiça; procurou tomar os empobrecidos como sujeitos principais do projeto evangelizador; deslocou o lugar principal de elaboração teológica da academia para as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
As Comunidades Eclesiais de Base, por exemplo, serviram como um dos espaços onde trabalhadores rurais sem-terra expulsos do campo se encontraram para refletir, à luz da Palavra de Deus, a realidade de opressão e exclusão a que foram submetidos pelo sistema capitalista. Nesse sentido, podemos afirmar que a Teologia da Libertação (TdL), por meio das CEBs e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), contribuiu para a organização, a conscientização e a luta dos trabalhadores sem-terra em prol de uma sociedade justa e fraterna. Segundo Valadão (1999, p. 89), a CPT foi um dos mediadores no processo de organização e luta dos trabalhadores sem-terra:
Como uma leitura crítica da realidade social, a CPT se propôs a estimular os trabalhadores à luta pela construção do reino de justiça entre os homens... O princípio pedagógico que norteia sua ação está calcado na práxis refletida e na ação concreta pensada, programada e avaliada coletivamente.
As CEBs e a CPT foram mediadoras fundamentais na construção da identidade dos sem-terra na medida em que possibilitaram aos camponeses desempregados expulsos de suas terras a conquistar a dignidade que antes haviam perdido, na condição de seres humanos.
Justificativa
O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Pedagogia da Terra) no Espírito Santo foi criado, no final de 1999, pela parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária-INCRA/PRONERA e Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
Podemos fundamentar a importância do Curso Pedagogia da Terra a partir de três dimensões: a dimensão da parceria; a dimensão do processo de formação dos professores que leve ao fortalecimento da educação do campo e a dimensão da luta por uma sociedade justa e fraterna. Em relação aos parceiros envolvidos no projeto do curso citados, interessa fundamentar discussões para a implementação de políticas públicas que consolidem programas de educação no/do campo, tendo como um de seus eixos articuladores fundamentais o princípio de que o processo educativo deve constituir-se como estratégia de desenvolvimento territorial sustentável (Kolling et all., 1999 e 2002; Arroyo e Fernandes, 1999; Benjamin e Caldart, 2000; Foerste, 2006).
Nesse sentido, a parceria firmada entre MST, UFES e INCRA apresenta-se, em princípio, como iniciativa interinstitucional concreta, como projeto que busca atender a demandas de educação no contexto rural, com o intuito de reforçar a luta pela Reforma Agrária e por uma educação voltada para a realidade e os sujeitos no/do campo. Que importância tem pesquisar um curso como esse: o Curso Pedagogia da Terra? Que contribuição pode a Universidade oferecer para a formação dos professores do MST? Assim como podemos perguntar o inverso: que contribuições o Curso Pedagogia da Terra pode dar para repensarmos o processo de formação do professor na Universidade? Que espaços-tempos-saberes são mobilizados no Curso Pedagogia da Terra que contribui para o fortalecimento da educação no/do campo? Com base nessas questões, podemos questionar a importância de se pesquisar um curso como esse. A reflexão sobre essas questões poderá ajudar-nos a pensar um processo específico e alternativo de formação de professores que contemple as reais necessidades de uma educação voltada para a realidade no/do campo, bem como a relação entre a Universidade e os Movimentos Sociais. Como terceira dimensão que fundamenta a importância dessa pesquisa, podemos afirmar a luta por uma sociedade justa e fraterna.
Pesquisar um curso que surgiu das necessidades vivenciadas nos diversos acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária do MST-ES e sua contribuição para ampliar e reforçar a luta por um novo modelo de educação e de sociedade tem realmente uma relevância singular que vai além das palavras, tornando-se realidade no cotidiano da vida dos sujeitos que participam desse movimento pela vida e vida plena. Nesse sentido, partimos do pressuposto que estudar o Curso Pedagogia da Terra é relevante em pelo menos três aspectos: na busca de uma educação comprometida com os saberes, a cultura, os valores e os sujeitos do campo; no processo de formação dos professores do MST e na luta pela Reforma Agrária como uma das condições indispensáveis para a construção de uma sociedade sem exclusão social e solidária.
Problema: Como os espaços-tempos-saberes mobilizados no Curso Pedagogia da Terra contribuem para a construção da Educação do Campo?
Objetivos: 1- Revisar a produção teórica disponível sobre o processo de formação do professor sem-terra; 2- Analisar o Curso Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES em seus diferentes espaços-tempos-saberes e sua relação com os princípios da educação do campo.
Quadro Teórico:
Nesta breve revisão teórica, gostaria de destacar o aprendizado obtido em algumas disciplinas do curso e como contribuíram para o meu crescimento como pessoa humana e para a compreensão do tema da pesquisa. A disciplina de psicologia ajudou-me a refletir na dimensão social do psiquismo humano e do processo de constituição da identidade não como algo estático, mas como um movimento, uma construção sócio-histórica. A concepção da identidade, como um processo sócio-histórico, possibilitou-me a elaboração de questionamentos a respeito do tema a ser investigado, por exemplo, quais são os traços ou feições humanas que caracterizam o professor sem-terra?
Quais os espaços-tempos-saberes que mobilizam o processo de formação do professor sem-terra? Como seres humanos que antes eram sobrantes (Valadão, 1999), excluídos, desfigurados em sua dignidade e humanidade passaram a ter um rosto e um nome próprio: sem-terra (Caldart, 2000)?
Na disciplina Tópicos I: Formação e Práxis Político-Pedagógica do Professor, tivemos a oportunidade de aprofundar alguns aspectos relacionados ao processo de formação e à identidade do professor. Foram lidos, analisados e discutidos em sala de aula alguns textos e artigos que elucidavam aspectos variados da formação e da identidade do professor, entre eles: A pesquisa sobre a formação de professores no Brasil – 1990 – 1998 de autoria de Marli André, na qual se analisa a produção de trabalhos (dissertações e teses) sobre a formação de professores nos programas de pós-graduação em educação no período de 1990 a 1998, nas universidades e institutos de Ensino Superior no Brasil. O texto Estado da arte da formação de professores no Brasil de autoria de Marli André, Regina H.S.Simões, Janete Magalhães Carvalho e Iria Brzezinski faz uma síntese do conhecimento sobre a formação do professor com base na análise das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação em educação no Brasil de 1990 a 1996.
O artigo intitulado "Identidade e profissionalização docente: um retrato delineado a partir dos periódicos nacionais" de autoria das professoras Dr. Janete Magalhães Carvalho e Dr. Regina Helena Silva Simões, ao analisar a produção teórica sobre a questão do professor como profissional, em periódicos especializados no período de 1990 a 1997, apontou na amostra pesquisada de 115 artigos sobre o tema mais amplo da sua formação e práxis, 33 artigos dedicados à identidade e profissionalização docente, sendo esta, portanto, a temática mais discutida nos periódicos. A identidade do professor como temática central foi, entretanto, definida por subtemáticas, a qual se colocou de forma multidimensional e interdimensional, visto ser percebida como perpassada por fatores como: proletarização/profissionalização do magistério; condições de trabalho e remuneração dos professores; socialização para o trabalho; práticas culturais e saberes dos professores; organização político-sindical; políticas públicas dirigidas ao professor e questões de gênero. Enguita (1991) trata a questão da profissionalização docente apontando, como principal causa da crise de identidade do professor, a ambivalência da posição docente, a qual se situa num lugar intermediário e instável entre a profissionalização e a proletarização, no espaço de uma semiprofissão, constituindo um grupo assalariado cujo nível de formação é similar ao dos profissionais liberais, mas que, submetido à autoridade de seus empregadores, busca manter ou ampliar sua autonomia quanto à distribuição de renda, ao poder e ao prestígio.
A revisão da bibliografia nacional sobre o processo de formação e práxis-político-pedagógica do professor realizado em algumas disciplinas do Curso de Mestrado em Educação da UFES foi muito importante em, pelo menos, dois aspectos: perceber como os (as) diferentes autores (as) tratavam da questão da formação e da práxis político-pedagógica do professor e identificar a inexpressiva produção nacional sobre o processo de formação do professor sem-terra. Isso nos ajudou a perceber que a produção nacional sobre a formação do professor sem-terra começou a ser feita a partir da década de 1990, quando se deu a organização nacional do Setor de Educação do MST e mesmo assim sendo situado na região sul do país tendo como destaque as reflexões de Caldart (2000).
Um segundo momento importante nesse movimento de construção do sujeito-objeto na caminhada da pesquisa foi marcado pelo estudo independente. O estudo independente se constitui em um dos momentos fundamentais na construção do sujeito-objeto da pesquisa em pelo menos duas dimensões: na primeira dimensão, destacamos a relação orientador-orientando (ressaltamos aqui a convivência, o diálogo, os questionamentos, a sinceridade, a franqueza, a humildade e a empatia) que se fizeram presentes e que contribuíram positivamente no engajamento e no envolvimento com o tema;

na segunda dimensão, destacamos o conhecimento mais profundo sobre o objeto-sujeito da pesquisa por meio da leitura, reflexão, aprofundamento de algumas obras, entre as quais destacamos: Cadernos de educação do MST; Boletim de Educação do MST; Cadernos de Formação; Cadernos da Coleção: Por uma educação básica do campo (números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 ); Caderno de Subsídios: Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo resultado dos trabalhos realizados pelo grupo permanente de trabalho de educação do campo e dos seguintes livros: Escola do MST: uma utopia em construção – Valter Morigi (2003); Além da Terra: cooperativismo e trabalho na educação do MST (Menezes Neto, 2003); Educação e campesinato: uma educação para o homem do meio rural ( Ana Maria Speyer,1983); Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola ( Roseli Salete Caldart, 2000) ; A formação do MST no Brasil (Bernardo Mançano Fernandez, 2000); Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire, 1970); Educação Popular e Educação de Adultos (Vanilda Paiva, 1987); O Cativeiro da Terra (José de Souza Martins, 1990); Assentamentos sem-terra: a importância dos mediadores (Vanda de Aguiar Valadão, 1999); Educação Popular, Igreja Católica e política no movimento de educação de base (Luiz Eduardo Warnderley, 1984).
No movimento da caminhada, foram pesquisadas também as seguintes dissertações de mestrado: O Desafio da Formação: Estudo psicossocial dos movimentos da identidade em alunos do curso pedagogia do MST de autoria de Márcia Roxana Cruces Cuevas. Nesse trabalho a autora buscou compreender como a participação na formação acadêmica refletiu no processo de construção da identidade dos sujeitos estudados; Ocupando a Escola: uma cartografia das práticas educativas escolares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Jocilene Marquesini Mongim.
A autora, nesse trabalho, trata dos processos de subjetivação engendrados nas práticas educativas escolares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Os Saberes do Professorado Rural: construídos na vida, na lida e na formação de autoria de Maria do Socorro Silva defendida na Universidade Federal de Pernambuco; Formação e Práxis dos Professores em Escolas Comunitárias Rurais – Por uma Pedagogia da Alternância de Flávio Moreira. O autor busca analisar como as dimensões da cultura e do imaginário social se fazem presentes na comunidade escolar (professores, pais e alunos) e interferem na práxis dos professores no âmbito da Pedagogia da Alternância praticada nas Escolas Comunitárias Rurais de Jaguaré; O papel sóciopolítico e pedagógico dos pequenos agricultores, pais e mães de alunos, na formação continuada e na práxis dos professores das escolas comunitárias rurais municipais de Jaquaré-ES de autoria de Nelbi Alves da Cruz; Formação e Práxis dos Professores do Curso de Pedagogia do Pólo Universitário de São Mateus: 1995-1999 a Interiorização no Contexto Sócio-Político do Norte do Estado do Espírito Santo de autoria de Damián Sánchez Sánchez.
Como trabalho pioneiro nas discussões sobre educação do campo, merece destaque o trabalho de Adelar João Pizzeta: Formação e Práxis dos Professores de Escolas de Assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo, em 1999, sob a orientação da professora Dr. Janete Magalhães Carvalho. O trabalho buscou analisar a proposta pedagógica do MST no âmbito das escolas de assentamentos no Estado do Espírito Santo, tendo como eixo norteador o processo de formação de professores e a própria organicidade do MST. Teve a particularidade e originalidade de ter sido elaborado por alguém que participa dos processos de luta e organização do MST, como membro e militante, contribuindo para o reconquista da luta pela terra no Estado do Espírito Santo, a partir da década de 80 e da sistematização da práxis educacional nas escolas dos assentamentos do MST.
Foi feita também uma pesquisa em alguns periódicos nacionais dentre os quais destacamos: Cadernos de Pesquisa; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos; Educação e Sociedade; Revista Brasileira de Educação. Escolhemos esses periódicos por considerá-los de maior circulação. Buscamos produções a partir de 1990 sobre o processo de formação dos professores do MST, bem como sobre a educação do campo. Dentre os textos que tratam da questão da educação do campo e da formação do professor sem-terra e que contribuíram para nossa investigação, podemos destacar: Pessoa (1999), Ribeiro (2001) e Beltrame (2002).
Pessoa (1999) busca mostrar que, além de incorporar a terra ao seu processo de reprodução como categoria social, pode-se atribuir aos trabalhadores sem-terra uma identidade diferenciada, por estar construindo uma nova dinâmica em termos de produção e de transmissão do saber. Segundo Ribeiro (2001), podemos visualizar alguns desafios que o trabalho cooperativo desenvolvido pelos agricultores assentados está apontando para a educação básica e, em particular, para o ensino fundamental. Finalmente, Beltrame (2002) discute a experiência de professores (as) das escolas de assentamentos organizadas pelo MST no oeste catarinense. Esse estudo possibilitou a apreensão de aspectos significativos do universo cultural dos sujeitos, destacando as relações construídas na vida familiar, no desempenho da profissão e na participação política no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Destacamos também debates do XII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE, realizado em Curitiba/PR, em 2004. Os ENDIPE’s são realizados bianualmente e vêm constituindo-se crescentemente em um fórum nacional de discussões sobre educação, com a participação de profissionais do ensino nos diferentes níveis. Tem como finalidade divulgar o conhecimento sistematizado historicamente e discutir questões do ensino, pesquisa e extensão, incluindo temáticas relativas ao campo do currículo, da comunicação e informação e da formação de professores, etc. O ENDIPE é, portanto, um espaço privilegiado de socialização do conhecimento, de troca de saberes, de perspectivas e questionamentos para novas investigações. Nesse sentido, analisamos alguns textos publicados nos anais impressos e digitais (CD – ROM) que contribuíram para estabelecer um diálogo crítico com outros interlocutores sobre a possibilidade de construção de uma educação do campo.
Dentre os trabalhos discutidos no evento, destacamos: Souza (2004), Chassot (2004), Santos (2004) e Foerste (2004) . Em seu estudo, Souza (2004) objetiva evidenciar aspectos da trajetória da Educação Rural e da Educação do Campo, focalizando dimensões da política educacional brasileira e busca responder ao seguinte questionamento: quais as configurações existentes na Educação do Campo neste início de século? Para Chassot (2004) há saberes populares no contexto da educação do campo que precisam ser investigados, tendo em vista sua legitimação como saberes escolares. O texto de Santos (2004) busca refletir no Projeto Político Pedagógico da Escola Cabana em Belém/PA no período de 1997 a 2001. A autora destaca que a Escola Cabana organiza a Educação Fundamental em Ciclos de Formação, o que objetiva um rompimento com a lógica fragmentada do processo pedagógico e a flexibilização dos tempos de aprender-ensinar-desenvolver para possibilitar uma formação global e humanizadora. Em suas pesquisas, Foerste (2004) identifica, na formação de professores sem-terra, possibilidades concretas de fortalecimento de lutas pela profissionalização dos professores na perspectiva da indissociabilidade entre os saberes acadêmicos e saberes da experiência docente.

Uma análise da produção acadêmica feita nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd possibilitou identificar, em produtos de pesquisa, tanto nos anais impressos como digitalizados (CD – ROM e site), produções sobre o processo de formação do professor sem-terra. Os GTs temáticos constituem núcleos disseminadores de informações sobre suas temáticas específicas, atuando durante todo o ano e nas reuniões anuais da ANPEd. Dessa forma destacamos alguns textos dos Grupos de Trabalho - GTs (3, 4, 5, 6, 8 e 12) dos anais das 27ª e 28ª Reuniões Anuais da ANPEd: Paiva (2004), Foerste (2004), Viana (2004), Martins (2004), Barreto (2005), Cavaleiro (2005), Nascimento (2005), Silva (2005), Fernandes (2005), Foerste (2005b), Vieira (2005), Almeida (2005), Batista (2005), Brand (2005), Falkembach (2005), Marcon (2005), Almeida (2005) e Terrazan (2005). Um aspecto a ser destacado nesse levantamento de produções da ANPEd sobre a temática da educação do campo e da formação de professores, é um aumento significativo de trabalhos discutidos durante o ano de 2005. Observamos um movimento nacional no âmbito acadêmico de mobilização investigativa para a construção coletiva de referenciais teóricos e práticos para uma educação do campo diferenciada.


Metodologia:
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa não pretendeu ser uma camisa de força na qual o objeto deveria enquadrar-se previamente. Os instrumentos de coleta e análise de dados, tais como: entrevistas, análise de relatórios, da grade curricular do curso e de aulas de professores, cadernos de reflexão dos alunos, caderno de memória da segunda turma, não pretenderam esgotar a possibilidade e a riqueza do que se é produzido no Curso Pedagogia da Terra – UFES em seus diferentes espaços-tempos-saberes nem tampouco absolutizar o olhar do iniciante-pesquisador. Há muito que ser pesquisado ainda e muita riqueza a ser encontrada. Buscamos, pelo contrário, uma aproximação com o objeto de estudo de tal forma que ele se revelasse a nós em seus diferentes momentos formativos.
O próprio sujeito, ao se aproximar do objeto, não foi armado a fim de enquadrá-lo em sua pretensa metodologia; o que não significou que fomos neutros ao encontro do objeto. É justamente no momento em que o pesquisador se aproxima do objeto, de estudo não como alguém que detém a verdade sobre ele e quer enquadrá-lo em sua teoria, mas como alguém que quer compreendê-lo em seu movimento, em sua historicidade, em seus diferentes espaços-tempos-saberes em que se pautou o desenvolvimento da pesquisa. Foi na convivência, no diálogo, na parceria e na trajetória com os sujeitos-objeto da pesquisa que buscamos a construção do caminho percorrido. Sujeito pesquisador e sujeito-objeto-pesquisado não constituem relações fragmentadas e hierarquizadas, mas juntos se constituem à medida que ambos se fecundam mutuamente. Tanto o sujeito-objeto fala ao pesquisador-iniciante quanto o sujeito-pesquisador-inciante fala ao sujeito-objeto-pesquisado. E nessa relação amorosa e dialógica entre ambos é que se pautou o movimento de desenvolvimento da pesquisa. Buscamos dessa forma realizar um levantamento e análise dos diferentes materiais disponíveis sobre o Curso Pedagogia da Terra – UFES, como atas de reuniões, pareceres, relatórios e outros que contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa. Participamos das aulas em que pudemos realizar observações no diário de campo; vivenciamos a dinâmica da organização dos espaços-tempos-saberes do curso, dos trabalhos, das aulas, das místicas, enfim, de todo o processo educativo e formativo do professor sem-terra; diagnosticamos condições de infra-estrutura física e acadêmica do ambiente em que se realiza o curso; registramos por meio de entrevistas semi-estruturadas e fotos, a percepção de professores e alunos sobre o curso em seu processo de criação, gestão e desenvolvimento. Como fonte importante para o desenvolvimento de nossas investigações, contamos com o auxílio do banco de dados da pesquisa de "Avaliação do PRONERA" (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária). A pesquisa do PRONERA sobre a avaliação do Curso Pedagogia da Terra – UFES forneceu dados importantes para o aprofundamento do tema a ser investigado nos aspectos relativos ao funcionamento do curso, aos alunos que participam do curso, aos professores que lecionam no curso, aos coordenadores, ao projeto político-pedagógico do curso e outros. Vale ressaltar aqui os gráficos que se encontram no Relatório Final de Avaliação do Curso Pedagogia da Terra – UFES e contêm informações sobre vários aspectos relacionados ao Curso Pedagogia da Terra.
Além disso, o PRONERA possui algumas publicações sobre Educação do Campo, como os cadernos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Por uma Educação Básica do Campo, produzidos com a participação de várias organizações sociais e com o apoio de diversas instituições e universidades, entre elas: a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); a Universidade de Brasília – Unb, a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Conta também com uma página na Internet (www.pronera.gov.br) com vários artigos, dissertações e teses sobre a questão da Educação do Campo. Alguns desses materiais foram consultados e contribuíram significativamente para o desenvolvimento da pesquisa. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas gravadas com professores da Universidade que ministraram atividades, ao longo do curso, para a segunda turma; com a coordenadora do curso, com os coordenadores do curso no MST, com os alunos da segunda turma do curso e outros sujeitos que se fizerem necessários durante o desenvolvimento da pesquisa. As entrevistas gravadas foram transcritas para posterior análise; adotamos o diário de campo, em que o pesquisador-iniciante foi registrando os dados que julgou pertinentes aos objetivos do estudo.
Estrutura da Dissertação:
O primeiro capítulo traz como tema norteador: A luta pela terra no Brasil e o nascimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse capítulo, procuramos identificar, na história do Brasil, os principais movimentos que antecederam o MST na luta pela terra. Trazemos alguns dados da brutal concentração de terras no Brasil com base nos estudos feitos pelo IBGE e por alguns autores, entre eles Moura (2000) e Martins (1990), e da violência praticada contra aqueles (as) que lutaram para derrubar as cercas do latifúndio e da exclusão social. O segundo capítulo tem como tema: A educação do campo no contexto da educação brasileira e os seguintes objetivos: identificar na história da educação brasileira, sem a intenção de aprofundar os movimentos de luta em prol de uma educação popular libertadora; ao mesmo tempo problematizar e criticar o projeto dual de educação que vigorou no Brasil: uma educação para a elite e uma educação para o povo.
O terceiro capítulo tem como título: O movimento de luta por uma educação do campo e as matrizes pedagógicas da educação do campo. Tem como objetivo fundamental identificar as matrizes pedagógicas da educação do campo e relacioná-las com o processo de formação do professor sem-terra. Também busca recuperar a história coletiva da luta por uma educação do campo, que começou oficialmente com a I Conferência Nacional: Por uma educação do campo e culminou com o I Encontro do PRONERA da Região Sudeste realizado em Vitória, capital do Espírito Santo, em 2004. O quarto e último capítulo da dissertação traz como tema: Pedagogia da Terra: a formação do professor sem-terra. Temos como objetivo fundamental identificar, analisar e refletir a partir da vivência, dos documentos do curso (grade curricular, programas de disciplinas, plano de aula, caderno de memória da segunda turma, cadernos de reflexão dos alunos), das entrevistas realizadas a alunos, professores e coordenadores, os espaços-tempos-saberes do movimento de formação do professor sem-terra.

Um comentário:

marilenenas@hotmail.com disse...

Nossa, professor Zen, nada mais "justificador" de certezas e acolhimentos de uma experiência vivida nestes semestres (2013/2 - 2014/1)de conclusão de curso - licenciatura plena em pedagogia, e depois de um terceiro domingo de páscoa, onde a reflexão evangélica nos impulsionava a "voltar a Jerusalém...". Voltar, não no sentido de retroceder, mais de RETOMAR da luta da morte e assumir a vitória da vida. E inserir-se na causa dos fracassados, decepcionados e lascados da periferia de Emaús, e sentir o odor deles e com eles propor mudanças. A leitura que fiz das suas reflexão, foram para mim, mais do que formação, foram também EE. Como militante das CEBs e da PJ, sinto-me totalmente contempladas na sua fala e vivência. Obrigada pela partilha! Marilene